Capítulo - 07
Êta cabra valente
Curralin,
palco de uma festança arretada,
continuava recebendo cada vez mais gente que, curiosa com a notícia do desafio
que se espalhava que nem fogo no capim, não queria perder a aposta do Tião “boca-de-fogo”
desafiando o fantasma do escravo Isidoro, nem que a vaca tussa. Enquanto isso,
Paulinho violeiro embalava a noite com sua cantoria, e que de acordo com os
mais encabulados, era acompanhado pelo espírito do irmão, e olha que alguns juravam
de pé-junto que estavam vendo ele no
palco. Pelo sim, pelo não, ninguém se atrevia a desmentir. O que importava na
verdade era a proximidade da hora, anunciada pelo violeiro de meia em meia hora,
em que Tião subiria a serra em busca dos diamantes do Isidoro.
No boteco do Manuel, a turma do Remundão
estava mais animada do que nunca. Todos queriam ver a macheza do cabra e não
perderiam aquele acontecimento por nada desse mundo.
- Cês num acham que o Tião tá tranquilo
demais da conta pra quem vai encarar o assombração do Isidoro não? - Observou
Zé das Candeia.
- Uai, sô, e num é que é mesm?
- S’impolga não, pessoal. Ainda tá cedo por
demais e ele tá bebendo tanto que vai despencar antes mesmo da hora de arribar a serra e pegar o boi pelo
chifre.
- Já passa das dez hora e daqui a pouquim
ele tem que subi a serra de carqué jeito, quereno ou não.
- Lembrou Zezito.
- Hei Tião, tá preparado pra enfrentar o
Isidoro?
- Calma, pessoal. O cabra aqui é muito dos
macho pra ter medo de um assombração mixo desse, sô. Inda mais que tá por
demais de cedo e as aposta tão só aumentando, num é Manuel?
- Oxi, já num tá nem cabendo mais dinheiro
na caixa, uai. - Respondeu o dono do boteco rindo até as orelhas.
- Intão trata de arruma outra caixa e
escondê logo essa aí, né uai?
- Bem pensado né Chicão. Vou ponhá ela
debaixo do balcão pra ficar bem escondidinha aqui e aí quando o Tião chegar
daquela serra, vamo vê os nome dos apostador pra saber quem vai levar a bolada,
né?
Tião tava muito confiante no plano
arquitetado pelo prefeito e continuava bebendo que nem que doido e assim que deu
a hora, Paulinho violeiro parou a música e pediu uma salva de palmas pra ele. O
coitado do cabra foi pego de surpresa e quase teve um trem no coração. Por um instante pensou que tinha mesmo que subir
aquela serra e desafiar o espírito do escravo Isidoro, coisa que no fundo ele tinha
certeza que se borraria todo se tivesse que fazer. Sabia que não teria coragem
de subir lá naquele fim de mundo, onde o gato perdeu as botas, de madrugada, só
para mostrar macheza. Mas ainda bem que o prefeito, sem saber, acabou dando uma
mãozinha danada de porreta pra ele.
Tião pegou o último copo de pinga, jogou um
pouco para o santo e, aliviado, bebeu de uma golada só. Na verdade, se ele
fosse jogar um pouco da pinga para cada santo que agradeceu naquela hora, ia
precisar de mais de litro. Todo peitudo, saiu à porta do boteco do Manuel e
abanou a mão para o povo que gritava seu nome. Nunca o pobre do cabra inchou
tanto o peito como àquela hora. Sentia-se como um político vitorioso cumprimentando
o povo após as eleições.
O cabra, já meio tonto, passou pelo meio da
multidão e foi direto para o carro de som, onde o prefeito já o esperava todo
cheio de nhéim, nhéim, nhéim, pois sabia que em algumas horas, além do dinheiro
arrecadado com as taxas, licenças e pedágios cobrados até então, ganharia o
apoio dos eleitores na sua corrida para se eleger deputado. Pra ele, tudo
aquilo era apenas uma tramoia política.
- E aqui está o cabra que desafiou o
espírito do nosso lendário escravo Isidoro!! Vamos aplaudir esse corajoso rapaz
que diz que vai subir a serra até o cruzeiro, trazer o candeeiro e os diamante
do infeliz!
A praça toda se explodiu em gritos e
aplausos que fizeram Tião se sentir o dono da cocada preta, e sem se conter, o
cabra foi até o palco e puxou o microfone das mãos do prefeito, gritando com
voz arrastada:
- É isso mesmo seu prefeito! Vou mostrar pra
todo mundo que o cabra aqui é muito macho mesmo. E num vou trazer só
aquele lampiãozin véio não, vou
trazer os diamante também e se aquele fantasma num gostar eu
trago até ele dentro dum saco.
Pobre Tião. Não sabia em que mato tava se
metendo e isso ainda ia dar muito pano pra manga. Podia acabar com os burros
n’água. O infeliz tava confiante por demais na chicana armada pelo prefeito e isso tinha tudo pra não dar certo,
afinal, estavam em Curralin, onde até o mais improvável podia acontecer. Beijou
a mão do prefeito e desceu do palco cambaleante e se não fosse o povo, tinha
tomado rumo errado ao caminho que ia dar no cruzeiro.
- Antes preciso dar uma passadinha na
igreja. - Disse Tião.
- Mas a igreja tá fechada a essa hora, homi
de Deus.
- E eu num sei? Mas o prefeito mandou, então
eu passo.
- O prefeito?
- Psssit... conta pra ninguém não. - Falou
ele cada vez mais bêbado. – Boca-de-siri.
- Tá bem. Se o prefeito mandou.
E Tião desceu meio que arrastado pela ruela que dava na praça da capela, sob o incentivo
da multidão. A danada da cachaça começava a subir e o cabra já quase não se aguentava
de pé.
- Vaaiiiiii, Tião!! - Gritou dona Josefina
toda ouriçada da janela de casa.
- Hei Zefinha, meu amor. Vou trazer um
diamante bem grande pra você, viu?
Da porta do boteco do Manoel, o grupo de
amigos olhava “boca-de-fogo” cambalear beco abaixo, cumprimentando todo mundo
como se os conhecessem.
- Nunca vi esse cabra tão bêbado assim. -
Disse Manuel.
- É mió a gente ficar de ôio nele, antes que
ele se estrepe num buraco desses aí.
- S’impolga não, pessoal. “Esse caldo tem pimenta”.
- Disse Remundão coçando o queixo.
- O sinhô acha que ele tá é de fingimento,
seu Raimundo? - Perguntou Sandoval.
- Ô Remundão, o sinhô também disconfia de
tudo, hein?
- Manoel, Manoel... quantas cachaça o senhor serviu pro Tião hoje?
- Um
tanto pra lá
de metro, sem
base, eu acho... - Respondeu o dono do boteco coçando
a cabeça.
- E quantas vezes o Tião ficou bêbado?
- Nunquinha.
- O seu Remundo tem razão. - Disse Chicão. -
Já vi o Tião beber pra mais de dúzia e ainda ficar sãozin da silva.
- Nesse mato tem coelho.
- Mió mesmo é a gente fica de espreita
espiando esse cabra.
- Vou pedir dona Ambrosina pra ficar aqui
tomando conta e nós vamo pegar esse caboclo com a boca na botija, ah se vamo.
Assim que chegaram à pracinha, Tião já havia
desaparecido no meio do povo que nem fumaça no vento.
- Ô xente, adonde é que foi pará esse cabra
da peste? - Perguntou Manuel coçando a cabeça.
- S’impolga não, Manuel, o danado deve de tá
dentro da igreja.
- Ô Remundão, tu não vê que tá tudo fechado,
homem de Deus?
- E num é que tá mesmo. Então o cabra se escafedeu
de vez...
- Eu disse, esse Tião é mesmo um cabra muito
porreta. É mió a gente voltar pro bar, vai que esse cabra já tá subindo a serra
pra confrontar com o Isidoro e nesse minuto tá de volta.
- Tem razão. - Concordou Remundão cada vez
mais desconfiado daquela historia toda.
Assim que chegou na pracinha do chafariz, Tião
se esgueirou sorrateiramente pelos cantos, contornando a capela até os fundos,
onde se escondeu à sombra da noite, até a chegada do assistente do prefeito,
como combinado. Não tardou muito para que o homem surgisse caminhando de ponta
dos pés abraçado a um pequeno pacote.
- Tome. Aqui estão o lampião velho e os diamantes. - Disse ele assim que viu o Tião. -
Quando o sino da capela bater, você volta pra porta do bar do Manoel e faz tudo
do jeitinho que a gente combinou, entendeu?
- Se preocupa não que eu vô convencer até o
próprio fantasma do Isidoro de que ele perdeu essa aposta.
- Rapaz, é melhor não brincar com uma coisa dessas.
- Repreendeu o assistente do prefeito sentindo um calafrio percorrer-lhe a
espinha.
- Fica tranquilo, ninguém vai desconfiar de
nada.
E assim a estória do Tião começava a virar
lenda em Curralin. Há quem diga que tudo começou diferente, mas dito pelo não
dito, o certo era que a fama do Tião rompeu os limites do pequeno município e
se tornou indiscutível para quem morava ou tinha parentelas nas redondezas.
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