segunda-feira, 30 de julho de 2018

Sétima parte do romance "Aparições e mineirices do Isidoro".


                                              Capítulo - 07
                                              Êta cabra valente
  
   Curralin, palco de uma festança arretada, continuava recebendo cada vez mais gente que, curiosa com a notícia do desafio que se espalhava que nem fogo no capim, não queria perder a aposta do Tião “boca-de-fogo” desafiando o fantasma do escravo Isidoro, nem que a vaca tussa. Enquanto isso, Paulinho violeiro embalava a noite com sua cantoria, e que de acordo com os mais encabulados, era acompanhado pelo espírito do irmão, e olha que alguns juravam de pé-junto que estavam vendo ele no palco. Pelo sim, pelo não, ninguém se atrevia a desmentir. O que importava na verdade era a proximidade da hora, anunciada pelo violeiro de meia em meia hora, em que Tião subiria a serra em busca dos diamantes do Isidoro.
   No boteco do Manuel, a turma do Remundão estava mais animada do que nunca. Todos queriam ver a macheza do cabra e não perderiam aquele acontecimento por nada desse mundo.
   - Cês num acham que o Tião tá tranquilo demais da conta pra quem vai encarar o assombração do Isidoro não? - Observou Zé das Candeia.
   - Uai, sô, e num é que é mesm?
   - S’impolga não, pessoal. Ainda tá cedo por demais e ele tá bebendo tanto que vai despencar antes mesmo da hora de arribar a serra e pegar o boi pelo chifre.
   - Já passa das dez hora e daqui a pouquim ele tem que subi a serra   de   carqué   jeito,   quereno   ou   não. - Lembrou Zezito.
   - Hei Tião, tá preparado pra enfrentar o Isidoro?
   - Calma, pessoal. O cabra aqui é muito dos macho pra ter medo de um assombração mixo desse, sô. Inda mais que tá por demais de cedo e as aposta tão só aumentando, num é Manuel?
   - Oxi, já num tá nem cabendo mais dinheiro na caixa, uai. - Respondeu o dono do boteco rindo até as orelhas.
   - Intão trata de arruma outra caixa e escondê logo essa aí, né uai? 
   - Bem pensado né Chicão. Vou ponhá ela debaixo do balcão pra ficar bem escondidinha aqui e aí quando o Tião chegar daquela serra, vamo vê os nome dos apostador pra saber quem vai levar a bolada, né?
   Tião tava muito confiante no plano arquitetado pelo prefeito e continuava bebendo que nem que doido e assim que deu a hora, Paulinho violeiro parou a música e pediu uma salva de palmas pra ele. O coitado do cabra foi pego de surpresa e quase teve um trem no coração. Por um instante pensou que tinha mesmo que subir aquela serra e desafiar o espírito do escravo Isidoro, coisa que no fundo ele tinha certeza que se borraria todo se tivesse que fazer. Sabia que não teria coragem de subir lá naquele fim de mundo, onde o gato perdeu as botas, de madrugada, só para mostrar macheza. Mas ainda bem que o prefeito, sem saber, acabou dando uma mãozinha danada de porreta pra ele.
   Tião pegou o último copo de pinga, jogou um pouco para o santo e, aliviado, bebeu de uma golada só. Na verdade, se ele fosse jogar um pouco da pinga para cada santo que agradeceu naquela hora, ia precisar de mais de litro. Todo peitudo, saiu à porta do boteco do Manuel e abanou a mão para o povo que gritava seu nome. Nunca o pobre do cabra inchou tanto o peito como àquela hora. Sentia-se como um político vitorioso cumprimentando o povo após as eleições.
   O cabra, já meio tonto, passou pelo meio da multidão e foi direto para o carro de som, onde o prefeito já o esperava todo cheio de nhéim, nhéim, nhéim, pois sabia que em algumas horas, além do dinheiro arrecadado com as taxas, licenças e pedágios cobrados até então, ganharia o apoio dos eleitores na sua corrida para se eleger deputado. Pra ele, tudo aquilo era apenas uma tramoia política.
   - E aqui está o cabra que desafiou o espírito do nosso lendário escravo Isidoro!! Vamos aplaudir esse corajoso rapaz que diz que vai subir a serra até o cruzeiro, trazer o candeeiro e os diamante do infeliz!
   A praça toda se explodiu em gritos e aplausos que fizeram Tião se sentir o dono da cocada preta, e sem se conter, o cabra foi até o palco e puxou o microfone das mãos do prefeito, gritando com voz arrastada:
   - É isso mesmo seu prefeito! Vou mostrar pra todo mundo que o cabra aqui é muito macho mesmo. E num vou trazer só aquele lampiãozin véio não, vou trazer os diamante também e se aquele fantasma num gostar eu trago até ele dentro dum saco.
   Pobre Tião. Não sabia em que mato tava se metendo e isso ainda ia dar muito pano pra manga. Podia acabar com os burros n’água. O infeliz tava confiante por demais na chicana armada pelo prefeito e isso tinha tudo pra não dar certo, afinal, estavam em Curralin, onde até o mais improvável podia acontecer. Beijou a mão do prefeito e desceu do palco cambaleante e se não fosse o povo, tinha tomado rumo errado ao caminho que ia dar no cruzeiro.
   - Antes preciso dar uma passadinha na igreja. - Disse Tião.
   - Mas a igreja tá fechada a essa hora, homi de Deus.
   - E eu num sei? Mas o prefeito mandou, então eu passo.
   - O prefeito?                              
   - Psssit... conta pra ninguém não. - Falou ele cada vez mais bêbado. – Boca-de-siri.
   - Tá bem. Se o prefeito mandou.
   E Tião desceu meio que arrastado pela ruela que dava na praça da capela, sob o incentivo da multidão. A danada da cachaça começava a subir e o cabra já quase não se aguentava de pé.
   - Vaaiiiiii, Tião!! - Gritou dona Josefina toda ouriçada da janela de casa.
   - Hei Zefinha, meu amor. Vou trazer um diamante bem grande pra você, viu?
   Da porta do boteco do Manoel, o grupo de amigos olhava “boca-de-fogo” cambalear beco abaixo, cumprimentando todo mundo como se os conhecessem.
   - Nunca vi esse cabra tão bêbado assim. - Disse Manuel.
   - É mió a gente ficar de ôio nele, antes que ele se estrepe num buraco desses aí.
   - S’impolga não, pessoal. “Esse  caldo  tem  pimenta”.  - Disse Remundão coçando o queixo.
   - O sinhô acha que ele tá é de fingimento, seu Raimundo? - Perguntou Sandoval.
   - Ô Remundão, o sinhô também disconfia de tudo, hein?
   - Manoel, Manoel...  quantas cachaça o senhor serviu pro Tião hoje?
   - Um  tanto  pra    de  metro,  sem  base,   eu   acho... - Respondeu o dono do boteco coçando a cabeça.
   - E quantas vezes o Tião ficou bêbado?
   - Nunquinha.
   - O seu Remundo tem razão. - Disse Chicão. - Já vi o Tião beber pra mais de dúzia e ainda ficar sãozin da silva.
   - Nesse mato tem coelho.
   - Mió mesmo é a gente fica de espreita espiando esse cabra.
   - Vou pedir dona Ambrosina pra ficar aqui tomando conta e nós vamo pegar esse caboclo com a boca na botija, ah se vamo.
   Assim que chegaram à pracinha, Tião já havia desaparecido no meio do povo que nem fumaça no vento.
   - Ô xente, adonde é que foi pará  esse  cabra da   peste? - Perguntou Manuel coçando a cabeça.
   - S’impolga não, Manuel, o danado deve de tá dentro da igreja.
   - Ô Remundão, tu não vê que tá tudo fechado, homem de Deus?
   - E num é que tá mesmo. Então o cabra se escafedeu de vez...
   - Eu disse, esse Tião é mesmo um cabra muito porreta. É mió a gente voltar pro bar, vai que esse cabra já tá subindo a serra pra confrontar com o Isidoro e nesse minuto tá de volta.
   - Tem razão. - Concordou Remundão cada vez mais desconfiado daquela historia toda.
   Assim que chegou na pracinha do chafariz, Tião se esgueirou sorrateiramente pelos cantos, contornando a capela até os fundos, onde se escondeu à sombra da noite, até a chegada do assistente do prefeito, como combinado. Não tardou muito para que o homem surgisse caminhando de ponta dos pés abraçado a um pequeno pacote.
    - Tome. Aqui estão o lampião velho e  os   diamantes. - Disse ele assim que viu o Tião. - Quando o sino da capela bater, você volta pra porta do bar do Manoel e faz tudo do jeitinho que a gente combinou, entendeu?
   - Se preocupa não que eu vô convencer até o próprio fantasma do Isidoro de que ele perdeu essa aposta.
   - Rapaz, é melhor não brincar com uma  coisa  dessas. - Repreendeu o assistente do prefeito sentindo um calafrio percorrer-lhe a espinha.
   - Fica tranquilo, ninguém vai desconfiar de nada.
   E assim a estória do Tião começava a virar lenda em Curralin. Há quem diga que tudo começou diferente, mas dito pelo não dito, o certo era que a fama do Tião rompeu os limites do pequeno município e se tornou indiscutível para quem morava ou tinha parentelas nas redondezas.
                          

                                                  Continua na próxima semana...

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