domingo, 22 de julho de 2018

Sexta parte do romance "Aparições e mineirices do Isidoro"


   
   Capítulo – 06
   A tramóia do prefeito
                         
    Antonio José de Oliveira Magalhães Abreu e Silva, este era o nome do prefeito. “Mas pode me chamar de Zequinha”, dizia ele com um largo sorriso no rosto. Com um nome desses, o infeliz tinha mesmo que ser político ou então o cabra era parente de Dom Pedro e ninguém sabia. Coisas de cidade do interior. Cheio de “Uai’s” o danado conseguia embromar todo mundo na conversa e ainda se safava bem das tretas que arrumava como prefeito.
   Naquele dia, assim que o delegado deixou o boteco do Manuel, Curralin recebeu a visita inesperada de um trio elétrico que passeou pelas ruelas com um som ensurdecedor até estacionar na pracinha próxima ao boteco do Manuel. Ninguém sabia o que estava acontecendo, mas todos pareciam aprovar a novidade, e até quem não era da cidade entrou na festa feita por aquela geringonça barulhenta.
   - Vixi Maria, mas que diabos está acontecendo aqui?!? - Perguntou Manuel se aproximando dos amigos que já haviam se agrupado num canto.
   - Como pode ver, coisa do doutô prefeito, uai. Olha lá as faixas de agradecimento.
    - E porque diacho o homi tá nos agradeceno?
   - S’impolga não, Zézito. Alguma coisa o prefeito tá querendo. - Disse Remundão desconfiado. - Primeiro manda prender o Tião, depois vem fazer festa? Comigo não, violão.
   - Ô seu Remundão, o sinhô é muito discunfiado tomém, né?
   - Chicão, Chicão, anota aí o que eu tô te dizendo: esse tal prefeito tá aprontando mais uma das suas.
   - Pelo menos tem festa na cidade, né?
   - Tão falano por aí que inté o tal de Paulinho violeiro veio da capital só prá tocá aqui prá nóis.
   - O cabra é muito porreta mesmo com aquela viola, toca inté de ôio fechado.
   - Sabia que toda vez que esse caboclo toca, o esprito do irmão dele, um tal de Régis aparece todo prosa e fica ali do ladinho dele acompanhando?
   - Cês tão é tudo doido, sô. - Disse Zezito fazendo careta. - Só pru quê o cabra é pra lá de porreta num tem base o esprito do irmão tocá com ele, né?
   - Óia! Óia! o carro do doutô prefeito! - Gritou Chicão entusiasmado.
   - O que é que ele veio fazer aqui? Tem certeza que é ele mesmo?
   - S’impolga não, Chicão. Garanto que ele não veio trazer nada além daquela pança gorda.
   - Iiichhh danô! Ele tá vindo diretin pra cá.
   O prefeito desceu do carro e caminhou direto e sorridente até a porta do bar do Manuel, sacolejando sua barriga avantajada.
   - Meus queridos eleitores, que prazer poder estar dividindo com vocês a alegria dessa festa maravilhosa neste lindo   distrito   pertencente   ao   meu   município. - Disse ele orgulhoso.
   - Quanto tempo o sinhô não vem por essas banda, seu prefeito?
   - É muito trabalho na prefeitura para melhorar a vida da comunidade, né uai?
   - E o que  traz  o  sinhô  por  essas  banda  de cá,   oh  xente?
   - Vim conhecer este rapaz tão corajoso de quem se tem falado tanto, uai. - Disse o prefeito olhando ao redor.
   - Mas... me isprica uma coisa, doutô prefeito, premero o sinhô manda o delegado prender o homi e dispois o sinhô quer conhecê ele? - Perguntou Zezito coçando a cabeça.
   - S’implga não, Zé. Deve ter tido um mal-entendido aí, não é seu prefeito?
   - Mas é claro, meus amigos. Foi... foi isso mesmo, um mal-entendido. - Gaguejou o prefeito enquanto ajeitava as calças sobre a volumosa barriga. - Só pedi ao delegado para levá-lo até a prefeitura para que eu pudesse conhecê-lo pessoalmente.
   - O sinhô não ia prender o rapaz?
   - Nananinanão! Nada disso! Afinal de contas é por causa dele que a cidade tá cheia assim, não é mesmo?
   - Mas a culpa num é dele não...
   - Eu sei, eu sei. Foi apenas uma brincadeira que deu certo e podem apostar que estou muito feliz   por   isso. - Respondeu o prefeito olhando em volta. - Onde é que tá esse rapaz que ainda não vi?
   - Tá aqui não, doutô.
   - Que pena. - Lamentou. - Quando ele aparecer, diga que gostaria muito de falar com ele na prefeitura, está bem?
   - Sim sinhô, seu prefeito. Podexá que nos fala pra ele.
   Depois de dar algumas voltas entre a multidão, fazer um pequeno discurso para seus eleitores, o prefeito entrou no carro e desapareceu de Curralin.
   - Mas que diacho o doutô prefeito queria aqui, que eu num intendí nadica de nada, hein? - Disse Manuel coçando o queixo.
   - S’impolga não, Manuel. No fundo desse poço tem água de ferro.
   - Seu Remundão, pruquê o sinhô fala essas coisa isquisita assim? - Perguntou Chicão sem entender.
   - Nada não, Chicão. Nada não...
   - Quer dizer intão que ele autorizou o “Tião” a subir a serra à meia noite...
   - Isquece isso homi de Deus, vamo aporveitá a festa. O Doutô prefeito disse que vai ter xôu de música com o Paulinho violeiro e ôtras coisa boa, sô. - Disse Chicão todo empolgado.
   - Festa? Mas... quem organizou tudo isso assim tão depressa? - Perguntou Manuel.
   - E quem mais poderia ser?  - Disse Sandoval chegando com seu jeito moleque e  um  copo   de pinga  na  mão. – Erivaldo, é claro.
   - Quem diacho é esse “Erivaldo é claro”? - Perguntou Zezito.
   - Não é “Erivaldo é claro”. É só Erivaldo. - Respondeu Sandoval.
   - O fí do gerardão militar que mora na ladeira do Burgaial?
   - É ele mesmo. Irmão da Rosa professora...
   - Aquela fessôra que já leu tudo cuonto é livro das bisbi, brisbi, bliblioteca dessa cidade?
   - Ela mesma. Irmã do Erildo, da Rita, Marialice...                                  
   - Aquês minino é bão por demais, sô.
   - Dizem inté que esse tal de Erildo viaja tanto que cunhece inté ôtros praneta.
   - S’impolga não, Chicão. Os meninos são filho do Geraldo e são muito prendado mesmo.
   - Nós vamos ficar aqui de prosa ou vamos entrar no boteco do Manuel pra comemorar tomando aquela pinguinha da boa que tá nos esperando? - Convidou Sandoval e os cinco mais que depressa saíram da rua.
   Sandoval era um cabra pra lá de porreta. Êta neguin danado. Num tinha quem não gostava dele por aquelas bandas de Curralin. Era o tio San desse Brasilzão véio sem porteira e todo mundo que apeava naquelas bandas, mais cedo ou mais tarde, se intretia com as prosa do cabra nas ruelas estreitas por onde a Sinhá Chica mandava e desmandava nos caboclo véio de outrora. Êita caboclinho bão, sô. Jeitinho de baiano, gingado de carioca, mas nasceu mesmo foi nessas banda onde a serra aconchega o sonho e floreia os olhos de sempre-vivas.  Dizem até que um cabra daquele lado virou presidente e num construiu só uma igrejinha que nem a Chica não. O cabra era tão atrevido que foi logo construindo uma cidade inteirinha noutras banda.
   Mas a vida é assim mesmo. Uns vão, outros vem e Curralin não deixa de ser o lugar aconchegante atolado no meio da serra, com suas muitas histórias que se conta desde outros tempos. Do nada surge um boato que vira um causo que passa de um pra outro e depois mais outro e mais outro e quando se assusta já é lenda.
   E com o escravo Isidoro não foi diferente, mas, se era mentira ou verdade ninguém queria saber, o importante é que os cabra do lugar não deixavam por menos e cada um queria tirar uma casquinha de vantagem e aumentar um pouquinho mais daquela história. Se o desafio do Tião “boca-de-fogo” se estendesse por mais tempo, Curralin ia ser um Deus-nos-acuda de tanta gente. Mas Tião era cabra muito macho e esperto por demais e num ia deixar aquela chaleira no fogo por muito tempo não.
   Naquela mesma tarde o doido do cabra bateu com os pés na prefeitura pra acabar de vez com aquela lengalenga de que podia ou não subir a serra pra desafiar o tal do Isidoro. É isso mesmo que o cabra desmiolado fez. Foi lá fala com o prefeito e resolver de vez aquela história. Mas, assim que o assessor do prefeito Zequinha bateu com os óio nele, quase teve um troço. Puxou o cabra pelo braço até um canto e foi logo perguntando:
   - Mas que diacho cê ta fazendo aqui, homi de Deus? Hoje é feriado e a prefeitura tá fechada. Tu num já recebeu sua paga pelo serviço?
   - Sim, senhor, mais é que...
   - Sem mais nem menos. O prefeito num pode te ver aqui de jeito maneira senão...
   - Senão o quê, Zé Bento? - Perguntou o prefeito saindo do gabinete empurrando a enorme pança.
   - É que este é o...
   - Não precisa dizer, meu rapaz. - Disse o prefeito sorridente. - Então este é o cabra pra lá de macho, o famoso Tião “boca-de-fogo”.
   - Nnão... quer dizer sim.
   - Mas é sim ou é não? - Perguntou o prefeito sem entender nada. - Entrem no meu gabinete que tu vai me contar tim-tim por tim-tim essa história descabida.
   Depois de passar a chave na porta, o prefeito sentou-se e foi direto ao assunto.
   - E então?
   - Bem... é que... aconteceu alguns imprevistos naquela contratação do moço da televisão e... bem, na verdade o Tião aqui não é o Tião de lá. - Disse o assessor se mexendo na cadeira, nervoso.
   - Mas isso já é sabido, afinal ele é um ator que mandei contratar para aumentar o turismo na cidade uai.
   - Sim, sim, mas este não é o ator contratado.
   - Não?
   - Sim...
   - É sim ou é não, diacho?
   - Não sinhô. - Disse logo Tião. - Mas eu num fiz nada de errado não. Fiquei com medo e fingi que era parente distante de umas pessoas lá das redondeza só pra ter onde ficar e a coisa desandou.
   - E como sabia que desafiar o fantasma do escravo Isidoro ia trazer tanta gente pra minha humilde cidade? - Perguntou o prefeito.
   - Sabia não senhor. Foi só uma brincadeira com os amigos. - Respondeu Tião ainda temeroso com o prefeito.
   - E onde está o moço da televisão?
   - Eu já dispensei o rapaz, prefeito, já que o improviso do nosso amigo Tião saiu  melhor   que  a   encomenda. - Explicou o assessor com um largo sorriso.
   - Sei não, sei não... isso ainda pode trazer problema. E tu? Pretende mesmo subir a serra e trazer os diamantes do escravo Isidoro?
   - Bão, subir a serra sim, agora trazer os diamantes do escravo é outra história. - Disse Tião ressabiado.
   - E por que você não pegaria os diamantes já que vai mostrar essa macheza indo até lá?  
   - É que na verdade eu nem sei se tem diamante de verdade naquela cruz, uai. Pra mim isso é só história pra boi dormir.
   - Acho que então nós temos que arranjar uns diamantes de mentirinha pra convencer o povo, não é mesmo? - Sussurrou o prefeito piscando um olho para os dois.
   - Mas como? - Quis saber o assessor.
   - Vamos fazer o seguinte: Na hora marcada o nosso amigo Tião finge que vai até o cruzeiro do Isidoro, se esconde atrás da capela e deixa o resto por nossa conta.
   - E os diamantes?
   - Calma que já dou um jeito nisso. - Disse o prefeito indo até o cofre e tirando de lá um pequeno embrulho que derramou sobre a mesa. Os olhos do Tião quase saltaram da órbita.
   - Meu Deus... é diamante de verdade?
   - É claro que não. São apenas cristais lapidados, não valem nada. Assim que você chegar da “serra” é só mostrar pro povo, fazer a festa e então eu chego com o delegado, confisco tudo e eles voltam pra prefeitura, entendeu? Ninguém vai perceber que não é  diamante. - Explicou o prefeito  satisfeito  com  seu  plano. - Você cumpre o seu desafio, a cidade fica famosa e eu, claro, posso me candidatar a deputado.
   - O senhor é mesmo batuta de esperto hein prefeito? - Elogiou o assessor.
   Ah prefeito Zequinha. Quem te viu e quem te vê. Quem te conhece não te compra nem se os diamantes fossem verdadeiros. Mas, fazer o quê? Conversa de político e história de pescador o melhor mesmo é não contradizer e ir saindo de fininho como quem não quer nada. Afinal, já dizia o ditado: quem conta um conto acrescenta um ponto e não queremos delongar e complicar essa prosa ainda mais. Curralin era lugar de gente simples, pacata e feliz, onde o cabra se aconchega no cantinho e como todo bom mineiro fica só observando desconfiado, caladinho enquanto o trem ganha trecho.
   O plano do prefeito tinha tudo para dar certo, porém o que ele tava longe de saber, era que o verdadeiro cara da televisão contratado a princípio, não tinha ficado muito satisfeito com a dispensa do trabalho e resolveu ficar de tocaia ali pelos arredores da prefeitura e assim que viu Tião chegando, foi correndo ficar de butuca sob a janela do gabinete, nos fundos da prefeitura.
   - Quer dizer que esse tal de Tião tá de trêta com o prefeito no meu lugar, hein? Então vou dar uma mãozinha por conta da casa. Esses dois não perdem por esperar. - Murmurou o rapaz.  
   Assim que Tião “boca-de-fogo” saiu da prefeitura, passou na casa dos tais parentes e depois foi correndo para o boteco do Manuel de onde os amigos não arredaram pé o dia todo.
   - E aí rapá, oncêtava? - Perguntou um.
   - Tu escafedeu-se. - Disse outro.
   - Os pulíça te prendeu?
   - S’impolga não, pessoal, chega dessa perguntação e deixa o cabra respirar. - Falou Remundão, e quando Remundão falava os cabra tudo se calava.
   - Ocês é muito preocupado comigo, sô. Tava por aí mesmo.
   - Ahh isso é que  não. - Disse   Zezito   se   adiantando. - Nós fumo im tudo que era canto da cidade e ninguém sabia oncêtava enfiado?!
   - Tá bom, tá bom. Na verdade, eu fui dá uma dura no doutor prefeito. - Soltou Tião observando a reação dos outros.
   - Cê ficou louco, rapá? Onte mesm ele mandou te prendê e agora tu se enfia na cova-do-leão?
   - É por isso mesmo que eu fui lá avisá pra ele que tá pra nascer um cabra macho que vai me impedir de desafiar o escravo. E mais, mandei ele vir aqui na praça pra falar com esse povaréu que o Tião aqui é cabra pra lá de macho e nem ele nem o sô delegado vai me impedir de subir essa serra hoje e pegá os diamante do escravo, tão intendendo?
   - Cê disse isso tudinho assim   pro   prefeito   mesmo? - Perguntou Sandoval com ar de ironia.
   - Tim-tim por tim-tim, palavra por palavra.
   - Pela cara dele aí atrás num tá parecendo não.
   Tião deu um pulo quase sem cor e se virou para o prefeito parado a alguns passos.
   - Se...seu pre.. prefeito?!? - Gaguejou ele quase sem voz.
   - Sempre contando suas estórias não é, meu rapaz?
   - S’impolga não, seu prefeito, esse cabra não tem papa na língua. - Justificou Remundão.
   - Mas o que traz de volta uma pessoa tão fina na minha humilde casa, seu prefeito? - Zombou Manuel se derretendo em cordialidade.
   - Na verdade vim aqui para incentivar esse cabra que resolveu desafiar o escravo Isidoro hoje.
   - E o sinhô num vai proibir?
   - Não, não. E pra provar que estou de acordo, vou subir naquele carro de som e oficializar o desafio e anunciar o apoio da prefeitura à coragem desse rapaz que trouxe a esta cidade uma nova visão do turismo. Espero vocês todos lá na praça, está bem? - Disse o prefeito se despedindo do grupo.
   Manuel se derretia de satisfação com tanta gente entrando e saindo do seu estabelecimento. Dona Ambrosina havia se tornado funcionária oficial do boteco e corria de um lado pro outro pra atender tanta gente.
   - Sandoval, ajuda aí né, meu fí! - Dizia ela toda vez que passava perto do rapaz que não largava do copo de pinga. Vez por outra ele se levantava e dava uma mãozinha para ajudar a servir os fregueses que pareciam se multiplicar a cada hora.
   - De onde será que saiu tanta gente assim, meu Deus!
   - S’impolga não, Dona Ambrosina. Até o fim do dia isso aqui vai virar um furdunço de tanto cabra.
   - É Manuel, mió pedir mais cerveja que essa num vai dá não, sô.
   - Já pedi pro Zé da Cachaça trazer mais umas caixa de cerveja e...
   - Ihhh foi só falá no bendito que  ele já     chegando. - Disse Sandoval vendo o projeto de jipe parar na porta do boteco, fazendo uma barulheira infernal.
   E assim foi a tarde toda em Curralin. Gente pra tudo que era lado. O pequeno lugarejo quase não comportava o número de pessoas que se espremiam pelas ruelas apertadas num vai e vem interminável. Grupos de batucada e até uma passeata de protestantes em favor dos direitos dos fantasmas escravos que até então ninguém nunca ouvira falar, surgiu carregando faixas e cartazes pela praça. Enquanto isso no bar do Manuel, as apostas iam subindo cada vez mais em favor do escravo Isidoro, mas Tião parecia não se importar com isso. Continuava contando suas façanhas pelo mundo afora e se gabando de sua macheza como se nada tivesse acontecendo.
   Enquanto isso, o prefeito desfiava seu rosário na praça, declarando oficialmente aquele dia como “dia municipal do desafio”, dizendo que isso iria incentivar os cidadãos curralinenses a buscar seus objetivos, superando suas próprias limitações e que assim que se tornasse deputado mandaria um projeto de lei para a câmara tornando aquele dia de feriado em feriado nacional. E o prefeito Zequinha falava com tanta seriedade que uns poucos eleitores puxa-saco do partido, que ainda teimavam em prestar atenção no discurso, começavam a achar que era verdade e até batiam palmas histericamente. Mas no fundo, ninguém mais parecia interessado na lengalenga daquela prosa toda. O trem tava bão mesmo era no meio da muvuca, nas batucada cheia de gente bonita e nas conversa boba rua afora, afinal de contas, aquele era o grande dia que marcaria mais um capítulo na história do pequeno lugarejo incrustado no meio da serra, onde tudo podia acontecer. O coitado do Isidoro é que não ia gostar nem um pouquinho de saber que todo aquele forfé era por conta das ideia atravessada de um cabra infeliz que resolveu atiçar sua cova e assombrar seu espírito só pra mostrar sua macheza. O cabra do Tião podia até tá arrependido, mas agora era tarde demais para desistir, afinal, de contraventor por falsidade ideológica passou a ser aliado do prefeito para o bem comum da cidade. Havia se tornado um herói, e herói que se preza não foge de um assombraçãozinho à toa. O trem já tinha começado a feder e só faltava agora saber o que o cabra da peste da televisão que perdeu o lugar pro Tião ia aprontar depois de ser passado pra trás.
   Não deu outra. O cabra, inconformado com a situação subiu a serra e começou a cavucar no meio das pedras, quando uma baita dor de barriga lhe pegou de jeito. O pobre coitado saiu correndo aperreado com as calças na mão e quase se atirou detrás d’uma moita, numa grota a poucos metros do cruzeiro do Isidoro. Enquanto fazia o “serviço”, ficou observando cabreiro o candeeiro enferrujado do escravo.
   - Se tu pensa que tenho medo de fantasma, tá muito enganado, viu? Se tiver diamante aqui eu vou achar e não vai ser uma dorzinha de barriga que vai me impedir não, tá me ouvindo? - Resmungou o rapaz rindo de si mesmo. Uma pedra rolou barranco abaixo, parando ao seu lado, próximo a moita. O sujeito olhou aquilo e se pôs a levantar. Olhou em volta à procura de algo pra se limpar e como não achou, puxou as folhas da moita, arrancando toda ela do chão, com raiz e tudo.
   - Caramba, meu. Que diacho de coisa brilhando é isso ali? - Perguntou pra si mesmo, vendo surgir na terra algumas pedrinhas brilhantes. Pegou-as na mão e depois de observar por alguns segundos, pensou: Ah se isso tudo fosse diamante... mas é só vidro quebrado, droga. Pensando bem, isso me deu uma boa ideia.
   O cabra, sem saber que se tratava dos diamantes verdadeiros do escravo Isidoro, juntou tudo, enfiou dentro do bolso e fincou morro abaixo. Desceu a serra cheio de caraminhola na cabeça, feliz da vida, pois ia dar o troco naquele impostor safado.
   Assim que o rapaz deixou o cruzeiro do Isidoro em direção à Curralin, o assistente do prefeito chegou meio ressabiado e vendo o cabra correr serra abaixo, coçou a cabeça incucado.
   - Mas que diacho esse cabra da peste veio fazer aqui em cima? Ainda bem que num tem diamante nenhum nesse lugar, senão podia jurar que esse infeliz veio procurar. - Resmungou pra si mesmo. - Deixa pra lá, só vim mesmo é pegar esse candeeiro velho antes que escureça e levar pro Tião “boca-de-fogo”. Assim, ele finge que desafiou o escravo Isidoro, ganha a aposta e todo mundo fica feliz. - Completou o assistente passando a mão no lampião enferrujado e fincando caminho de volta.                                
                            
                                                                       Continua na próxima semana!!!


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