Capítulo – 06
A tramóia do prefeito
Antonio
José de Oliveira Magalhães Abreu e Silva, este era o nome do prefeito.
“Mas pode me chamar de Zequinha”, dizia ele com um largo sorriso no rosto. Com
um nome desses, o infeliz tinha mesmo que ser político ou então o cabra era
parente de Dom Pedro e ninguém sabia. Coisas de cidade do interior. Cheio de
“Uai’s” o danado conseguia embromar todo mundo na conversa e ainda se safava
bem das tretas que arrumava como
prefeito.
Naquele dia, assim que o delegado deixou o boteco
do Manuel, Curralin recebeu a visita inesperada de um trio elétrico que passeou
pelas ruelas com um som ensurdecedor até estacionar na pracinha próxima ao
boteco do Manuel. Ninguém sabia o que estava acontecendo, mas todos pareciam
aprovar a novidade, e até quem não era da cidade entrou na festa feita por aquela
geringonça barulhenta.
- Vixi Maria, mas que diabos está
acontecendo aqui?!? - Perguntou Manuel se aproximando dos amigos que já haviam
se agrupado num canto.
- Como pode ver, coisa do doutô prefeito,
uai. Olha lá as faixas de agradecimento.
- E porque diacho o homi tá nos agradeceno?
- S’impolga não, Zézito. Alguma coisa o
prefeito tá querendo. - Disse Remundão desconfiado. - Primeiro manda prender o
Tião, depois vem fazer festa? Comigo não, violão.
- Ô seu Remundão, o sinhô é muito
discunfiado tomém, né?
- Chicão, Chicão, anota aí o que eu tô te
dizendo: esse tal prefeito tá aprontando mais uma das suas.
- Pelo menos tem festa na cidade, né?
- Tão falano por aí que inté o tal de Paulinho
violeiro veio da capital só prá tocá aqui prá nóis.
- O cabra é muito porreta mesmo com aquela
viola, toca inté de ôio fechado.
- Sabia que toda vez que esse caboclo toca,
o esprito do irmão dele, um tal de Régis aparece todo prosa e fica ali do ladinho
dele acompanhando?
- Cês tão é tudo doido, sô. - Disse Zezito
fazendo careta. - Só pru quê o cabra é pra lá de porreta num tem base o esprito
do irmão tocá com ele, né?
- Óia! Óia! o carro do doutô prefeito! -
Gritou Chicão entusiasmado.
- O que é que ele veio fazer aqui? Tem
certeza que é ele mesmo?
- S’impolga não, Chicão. Garanto que ele não
veio trazer nada além daquela pança gorda.
- Iiichhh danô! Ele tá vindo diretin pra cá.
O prefeito desceu do carro e caminhou direto
e sorridente até a porta do bar do Manuel, sacolejando sua barriga avantajada.
- Meus queridos eleitores, que prazer poder
estar dividindo com vocês a alegria dessa festa maravilhosa neste lindo distrito
pertencente ao meu
município. - Disse ele orgulhoso.
- Quanto tempo o sinhô não vem por essas
banda, seu prefeito?
- É muito trabalho na prefeitura para
melhorar a vida da comunidade, né uai?
- E o que traz o sinhô por essas
banda de cá, oh xente?
- Vim conhecer este rapaz tão corajoso de
quem se tem falado tanto, uai. - Disse o prefeito olhando ao redor.
- Mas... me isprica uma coisa, doutô
prefeito, premero o sinhô manda o delegado prender o homi e dispois o sinhô
quer conhecê ele? - Perguntou Zezito coçando a cabeça.
- S’implga não, Zé. Deve ter tido um mal-entendido
aí, não é seu prefeito?
- Mas é claro, meus amigos. Foi... foi isso mesmo,
um mal-entendido. - Gaguejou o prefeito enquanto ajeitava as calças sobre a
volumosa barriga. - Só pedi ao delegado para levá-lo até a prefeitura para que
eu pudesse conhecê-lo pessoalmente.
- O sinhô não ia prender o rapaz?
- Nananinanão! Nada disso! Afinal de contas é
por causa dele que a cidade tá cheia assim, não é mesmo?
- Mas a culpa num é dele não...
- Eu sei, eu sei. Foi apenas uma brincadeira
que deu certo e podem apostar que estou muito feliz por isso. - Respondeu o prefeito olhando em
volta. - Onde é que tá esse rapaz que ainda não vi?
- Tá aqui não, doutô.
- Que pena. - Lamentou. - Quando ele
aparecer, diga que gostaria muito de falar com ele na prefeitura, está bem?
- Sim sinhô, seu prefeito. Podexá que nos
fala pra ele.
Depois de dar algumas voltas entre a
multidão, fazer um pequeno discurso para seus eleitores, o prefeito entrou no
carro e desapareceu de Curralin.
- Mas que diacho o doutô prefeito queria
aqui, que eu num intendí nadica de nada, hein? - Disse Manuel coçando o queixo.
- S’impolga não, Manuel. No fundo desse poço
tem água de ferro.
- Seu Remundão, pruquê o sinhô fala essas
coisa isquisita assim? - Perguntou Chicão sem entender.
- Nada não, Chicão. Nada não...
- Quer dizer intão que ele autorizou o
“Tião” a subir a serra à meia noite...
- Isquece isso homi de Deus, vamo aporveitá
a festa. O Doutô prefeito disse que vai ter xôu de música com o Paulinho
violeiro e ôtras coisa boa, sô. - Disse Chicão todo empolgado.
- Festa? Mas... quem organizou tudo isso
assim tão depressa? - Perguntou Manuel.
- E quem mais poderia ser? - Disse Sandoval chegando com seu jeito
moleque e um copo de pinga na mão.
– Erivaldo, é claro.
- Quem diacho é esse “Erivaldo é claro”? -
Perguntou Zezito.
- Não é “Erivaldo é claro”. É só Erivaldo. -
Respondeu Sandoval.
- O fí do gerardão militar que mora na
ladeira do Burgaial?
- É ele mesmo. Irmão da Rosa professora...
- Aquela fessôra que já leu tudo cuonto é
livro das bisbi, brisbi, bliblioteca dessa cidade?
- Ela mesma. Irmã do Erildo, da Rita,
Marialice...
- Aquês minino é bão por demais, sô.
- Dizem inté que esse tal de Erildo viaja
tanto que cunhece inté ôtros praneta.
- S’impolga não, Chicão. Os meninos são
filho do Geraldo e são muito prendado mesmo.
- Nós vamos ficar aqui de prosa ou vamos
entrar no boteco do Manuel pra comemorar tomando aquela pinguinha da boa que tá
nos esperando? - Convidou Sandoval e os cinco mais que depressa saíram da rua.
Sandoval era um cabra pra lá de porreta. Êta neguin danado. Num tinha quem não
gostava dele por aquelas bandas de Curralin. Era o tio San desse Brasilzão véio sem porteira e todo mundo que
apeava naquelas bandas, mais cedo ou mais tarde, se intretia com as prosa do cabra nas ruelas estreitas por onde a Sinhá
Chica mandava e desmandava nos caboclo
véio de outrora. Êita caboclinho bão, sô. Jeitinho de baiano, gingado de carioca,
mas nasceu mesmo foi nessas banda onde a serra aconchega o sonho e floreia os
olhos de sempre-vivas. Dizem até que um
cabra daquele lado virou presidente e num construiu só uma igrejinha que nem a
Chica não. O cabra era tão atrevido que foi logo construindo uma cidade
inteirinha noutras banda.
Mas a vida é assim mesmo. Uns vão, outros
vem e Curralin não deixa de ser o lugar aconchegante atolado no meio da serra,
com suas muitas histórias que se conta desde outros tempos. Do nada surge um
boato que vira um causo que passa de um pra outro e depois mais outro e mais
outro e quando se assusta já é lenda.
E com o escravo Isidoro não foi diferente,
mas, se era mentira ou verdade ninguém queria saber, o importante é que os
cabra do lugar não deixavam por menos e cada um queria tirar uma casquinha de
vantagem e aumentar um pouquinho mais daquela história. Se o desafio do Tião “boca-de-fogo”
se estendesse por mais tempo, Curralin ia ser um Deus-nos-acuda de tanta gente.
Mas Tião era cabra muito macho e esperto por demais e num ia deixar aquela
chaleira no fogo por muito tempo não.
Naquela mesma tarde o doido do cabra bateu
com os pés na prefeitura pra acabar de vez com aquela lengalenga de que podia
ou não subir a serra pra desafiar o tal do Isidoro. É isso mesmo que o cabra
desmiolado fez. Foi lá fala com o prefeito e resolver de vez aquela história. Mas,
assim que o assessor do prefeito Zequinha bateu com os óio nele, quase teve um
troço. Puxou o cabra pelo braço até um canto e foi logo perguntando:
- Mas que diacho cê ta fazendo aqui, homi de
Deus? Hoje é feriado e a prefeitura tá fechada. Tu num já recebeu sua paga pelo
serviço?
- Sim, senhor, mais é que...
- Sem mais nem menos. O prefeito num pode te
ver aqui de jeito maneira senão...
- Senão o quê, Zé Bento? - Perguntou o
prefeito saindo do gabinete empurrando a enorme pança.
- É que este é o...
- Não precisa dizer, meu rapaz. - Disse o
prefeito sorridente. - Então este é o cabra pra lá de macho, o famoso Tião “boca-de-fogo”.
- Nnão... quer dizer sim.
- Mas é sim ou é não? - Perguntou o prefeito
sem entender nada. - Entrem no meu gabinete que tu vai me contar tim-tim por tim-tim
essa história descabida.
Depois de passar a chave na porta, o
prefeito sentou-se e foi direto ao assunto.
- E então?
- Bem... é que... aconteceu alguns
imprevistos naquela contratação do moço da televisão e... bem, na verdade o
Tião aqui não é o Tião de lá. - Disse o assessor se mexendo na cadeira,
nervoso.
- Mas isso já é sabido, afinal ele é um ator
que mandei contratar para aumentar o turismo na cidade uai.
- Sim, sim, mas este não é o ator
contratado.
- Não?
- Sim...
- É sim ou é não, diacho?
- Não sinhô. - Disse logo Tião. - Mas eu num
fiz nada de errado não. Fiquei com medo e fingi que era parente distante de
umas pessoas lá das redondeza só pra ter onde ficar e a coisa desandou.
- E como sabia que desafiar o fantasma do escravo
Isidoro ia trazer tanta gente pra minha humilde cidade? - Perguntou o prefeito.
- Sabia não senhor. Foi só uma brincadeira
com os amigos. - Respondeu Tião ainda temeroso com o prefeito.
- E onde está o moço da televisão?
- Eu já dispensei o rapaz, prefeito, já que
o improviso do nosso amigo Tião saiu melhor que a encomenda. - Explicou o assessor com um largo
sorriso.
- Sei não, sei não... isso ainda pode trazer
problema. E tu? Pretende mesmo subir a serra e trazer os diamantes do escravo
Isidoro?
- Bão, subir a serra sim, agora trazer os
diamantes do escravo é outra história. - Disse Tião ressabiado.
- E por que você não pegaria os diamantes já
que vai mostrar essa macheza indo até lá?
- É que na verdade eu nem sei se tem
diamante de verdade naquela cruz, uai. Pra mim isso é só história pra boi
dormir.
- Acho que então nós temos que arranjar uns
diamantes de mentirinha pra convencer o povo, não é mesmo? - Sussurrou o
prefeito piscando um olho para os dois.
- Mas como? - Quis saber o assessor.
- Vamos fazer o seguinte: Na hora marcada o
nosso amigo Tião finge que vai até o cruzeiro do Isidoro, se esconde atrás da
capela e deixa o resto por nossa conta.
- E os diamantes?
- Calma que já dou um jeito nisso. - Disse o
prefeito indo até o cofre e tirando de lá um pequeno embrulho que derramou
sobre a mesa. Os olhos do Tião quase saltaram da órbita.
- Meu Deus... é diamante de verdade?
- É claro que não. São apenas cristais
lapidados, não valem nada. Assim que você chegar da “serra” é só mostrar pro povo,
fazer a festa e então eu chego com o delegado, confisco tudo e eles voltam pra
prefeitura, entendeu? Ninguém vai perceber que não é diamante. - Explicou o prefeito satisfeito com seu
plano. - Você cumpre o seu desafio, a
cidade fica famosa e eu, claro, posso me candidatar a deputado.
- O senhor é mesmo batuta de esperto hein
prefeito? - Elogiou o assessor.
Ah prefeito Zequinha. Quem te viu e quem te
vê. Quem te conhece não te compra nem se os diamantes fossem verdadeiros. Mas,
fazer o quê? Conversa de político e história de pescador o melhor mesmo é não
contradizer e ir saindo de fininho como quem não quer nada. Afinal, já dizia o
ditado: quem conta um conto acrescenta um ponto e não queremos delongar e
complicar essa prosa ainda mais. Curralin era lugar de gente simples, pacata e
feliz, onde o cabra se aconchega no cantinho e como todo bom mineiro fica só
observando desconfiado, caladinho enquanto o trem ganha trecho.
O plano do prefeito tinha tudo para dar
certo, porém o que ele tava longe de saber, era que o verdadeiro cara da
televisão contratado a princípio, não tinha ficado muito satisfeito com a
dispensa do trabalho e resolveu ficar de tocaia ali pelos arredores da
prefeitura e assim que viu Tião chegando, foi correndo ficar de butuca sob a
janela do gabinete, nos fundos da prefeitura.
- Quer dizer que esse tal de Tião tá de trêta com o prefeito no meu lugar, hein?
Então vou dar uma mãozinha por conta da casa. Esses dois não perdem por
esperar. - Murmurou o rapaz.
Assim que Tião “boca-de-fogo” saiu da
prefeitura, passou na casa dos tais parentes e depois foi correndo para o boteco
do Manuel de onde os amigos não arredaram pé o dia todo.
- E aí rapá, oncêtava? - Perguntou um.
- Tu escafedeu-se. - Disse outro.
- Os pulíça te prendeu?
- S’impolga não, pessoal, chega dessa
perguntação e deixa o cabra respirar. - Falou Remundão, e quando Remundão
falava os cabra tudo se calava.
- Ocês é muito preocupado comigo, sô. Tava
por aí mesmo.
- Ahh isso é que não. - Disse Zezito se adiantando.
- Nós fumo im tudo que era canto da cidade e ninguém sabia oncêtava enfiado?!
- Tá bom, tá bom. Na verdade, eu fui dá uma
dura no doutor prefeito. - Soltou Tião observando a reação dos outros.
- Cê ficou louco, rapá? Onte mesm ele mandou
te prendê e agora tu se enfia na cova-do-leão?
- É por isso mesmo que eu fui lá avisá pra
ele que tá pra nascer um cabra macho que vai me impedir de desafiar o escravo.
E mais, mandei ele vir aqui na praça pra falar com esse povaréu que o Tião aqui
é cabra pra lá de macho e nem ele nem o sô delegado vai me impedir de subir
essa serra hoje e pegá os diamante do escravo, tão intendendo?
- Cê disse isso tudinho assim pro prefeito mesmo? - Perguntou Sandoval com ar de ironia.
- Tim-tim por tim-tim, palavra por palavra.
- Pela cara dele aí atrás num tá parecendo
não.
Tião deu um pulo quase sem cor e se virou
para o prefeito parado a alguns passos.
- Se...seu pre.. prefeito?!? - Gaguejou ele
quase sem voz.
- Sempre contando suas estórias não é, meu
rapaz?
- S’impolga não, seu prefeito, esse cabra
não tem papa na língua. - Justificou Remundão.
- Mas o que traz de volta uma pessoa tão
fina na minha humilde casa, seu prefeito? - Zombou Manuel se derretendo em
cordialidade.
- Na verdade vim aqui para incentivar esse cabra
que resolveu desafiar o escravo Isidoro hoje.
- E o sinhô num vai proibir?
- Não, não. E pra provar que estou de
acordo, vou subir naquele carro de som e oficializar o desafio e anunciar o
apoio da prefeitura à coragem desse rapaz que trouxe a esta cidade uma nova
visão do turismo. Espero vocês todos lá na praça, está bem? - Disse o prefeito
se despedindo do grupo.
Manuel se derretia de satisfação com tanta
gente entrando e saindo do seu estabelecimento. Dona Ambrosina havia se tornado
funcionária oficial do boteco e corria de um lado pro outro pra atender tanta
gente.
- Sandoval, ajuda aí né, meu fí! - Dizia ela
toda vez que passava perto do rapaz que não largava do copo de pinga. Vez por
outra ele se levantava e dava uma mãozinha para ajudar a servir os fregueses
que pareciam se multiplicar a cada hora.
- De onde será que saiu tanta gente assim,
meu Deus!
- S’impolga não, Dona Ambrosina. Até o fim
do dia isso aqui vai virar um furdunço de tanto cabra.
- É Manuel, mió pedir mais cerveja que essa
num vai dá não, sô.
- Já pedi pro Zé da Cachaça trazer mais umas
caixa de cerveja e...
- Ihhh foi só falá no bendito que ele já tá chegando.
- Disse Sandoval vendo o projeto de jipe parar na porta do boteco, fazendo uma
barulheira infernal.
E assim foi a tarde toda em Curralin. Gente
pra tudo que era lado. O pequeno lugarejo quase não comportava o número de
pessoas que se espremiam pelas ruelas apertadas num vai e vem interminável.
Grupos de batucada e até uma passeata de protestantes em favor dos direitos dos
fantasmas escravos que até então ninguém nunca ouvira falar, surgiu carregando
faixas e cartazes pela praça. Enquanto isso no bar do Manuel, as apostas iam subindo
cada vez mais em favor do escravo Isidoro, mas Tião parecia não se importar com
isso. Continuava contando suas façanhas pelo mundo afora e se gabando de sua
macheza como se nada tivesse acontecendo.
Enquanto isso, o prefeito desfiava seu rosário na praça,
declarando oficialmente aquele dia como “dia municipal do desafio”, dizendo que
isso iria incentivar os cidadãos curralinenses a buscar seus objetivos,
superando suas próprias limitações e que assim que se tornasse deputado mandaria
um projeto de lei para a câmara tornando aquele dia de feriado em feriado nacional.
E o prefeito Zequinha falava com tanta seriedade que uns poucos eleitores puxa-saco do partido, que ainda teimavam
em prestar atenção no discurso, começavam a achar que era verdade e até batiam
palmas histericamente. Mas no fundo, ninguém mais parecia interessado na
lengalenga daquela prosa toda. O trem tava bão mesmo era no meio da muvuca, nas batucada cheia de gente
bonita e nas conversa boba rua afora, afinal de contas, aquele era o grande dia
que marcaria mais um capítulo na história do pequeno lugarejo incrustado no
meio da serra, onde tudo podia acontecer. O coitado do Isidoro é que não ia
gostar nem um pouquinho de saber que todo aquele forfé era por conta das ideia
atravessada de um cabra infeliz que resolveu atiçar sua cova e assombrar
seu espírito só pra mostrar sua macheza. O cabra do Tião podia até tá
arrependido, mas agora era tarde demais para desistir, afinal, de contraventor
por falsidade ideológica passou a ser aliado do prefeito para o bem comum da
cidade. Havia se tornado um herói, e herói que se preza não foge de um assombraçãozinho
à toa. O trem já tinha começado a feder e só faltava agora saber o que o cabra
da peste da televisão que perdeu o lugar pro Tião ia aprontar depois de ser
passado pra trás.
Não deu outra. O cabra, inconformado com a
situação subiu a serra e começou a cavucar
no meio das pedras, quando uma baita dor de barriga lhe pegou de jeito. O pobre
coitado saiu correndo aperreado com
as calças na mão e quase se atirou detrás d’uma moita, numa grota a poucos
metros do cruzeiro do Isidoro. Enquanto fazia o “serviço”, ficou observando
cabreiro o candeeiro enferrujado do escravo.
- Se tu pensa que tenho medo de fantasma, tá
muito enganado, viu? Se tiver diamante aqui eu vou achar e não vai ser uma
dorzinha de barriga que vai me impedir não, tá me ouvindo? - Resmungou o rapaz
rindo de si mesmo. Uma pedra rolou barranco abaixo, parando ao seu lado,
próximo a moita. O sujeito olhou aquilo e se pôs a levantar. Olhou em volta à
procura de algo pra se limpar e como não achou, puxou as folhas da moita,
arrancando toda ela do chão, com raiz e tudo.
- Caramba, meu. Que diacho de coisa
brilhando é isso ali? - Perguntou pra si mesmo, vendo surgir na terra algumas
pedrinhas brilhantes. Pegou-as na mão e depois de observar por alguns segundos,
pensou: Ah se isso tudo fosse diamante... mas é só vidro quebrado, droga.
Pensando bem, isso me deu uma boa ideia.
O cabra, sem saber que se tratava dos
diamantes verdadeiros do escravo Isidoro, juntou tudo, enfiou dentro do bolso e
fincou morro abaixo. Desceu a serra cheio de caraminhola na cabeça, feliz da
vida, pois ia dar o troco naquele impostor safado.
Assim que o rapaz deixou o cruzeiro do
Isidoro em direção à Curralin, o assistente do prefeito chegou meio ressabiado
e vendo o cabra correr serra abaixo, coçou a cabeça incucado.
- Mas que diacho esse cabra da peste veio
fazer aqui em cima? Ainda bem que num tem diamante nenhum nesse lugar, senão
podia jurar que esse infeliz veio procurar. - Resmungou pra si mesmo. - Deixa
pra lá, só vim mesmo é pegar esse candeeiro velho antes que escureça e levar
pro Tião “boca-de-fogo”. Assim, ele finge que desafiou o escravo Isidoro, ganha
a aposta e todo mundo fica feliz. - Completou o assistente passando a mão no
lampião enferrujado e fincando
caminho de volta.
Continua na próxima semana!!!