domingo, 24 de junho de 2018

Segunda parte - Aparições e Mineirices do Isidoro


Capítulo - 02                                   
   O cruzeiro do Isidoro
                       
    Tião não deu trela para aquela prosa torta dos amigos e assim, naquela mesma noite, os cabra se ajuntaram perto do Umbuzeiro a poucos metros do portão do cemitério, só para ver o “boca-de-fogo” cruzar a cerca e caminhar por entre as sepulturas. Tava um frio de cortar os ossos, mas ninguém queria arredar pé dali. Uns por que queriam ver a macheza do cabra, outros é por que estavam com medo mesmo de ir embora sozinhos e preferiam retardar a hora de encarar a escuridão das vielas no caminho de casa. Mas, o certo mesmo, é que ninguém arredou pé do lugar.
   No momento em que o sino da capela badalou doze vezes, Tião caminhou cheio de pompa até o portão, porém, antes de adentrar o cemitério, se virou para os outros e soltou um berro, capaz de empinar até cabelo de careca e deu uma carreira só na direção dos cabras. Rapaz, mas num ficou nem rastro dos amigos. Até quem tinha medo de ir embora sozinho, virou poeira e chegou em casa sem saber como. Teve cabra que perdeu até as botinas naquela correria desenfreada, e olha que é bem capaz de nem ter dado conta da falta.
   No dia seguinte, todo mundo já falava do feito de Tião, que até então não tinha dado com as cara no boteco do Manuel.
   - Esse Tião é danado de porreta pur dimais mesmo, hein sô! - Exclamou Manuel divertido, quando soube da façanha do “boca-de-fogo”.
   - Porreta nada. Foi uma brincadeira de muito mau gosto, isso sim. - Resmungou um dos cabra que havia desembestado morro abaixo. - Ele inventou isso por que não teve coragem de entrar no cemitério...
   - É isso mesmo. - Rebateu outro. - O cabra bambiô das perna e arrumô um jeito de assustar nós tudo com aquela gritaria.
   - Ô xente, um cabra daquele tamanho ia lá ter medo de alguma coisa, sô? - Defendeu Manuel certo da coragem do novo freguês.
   - Ô Manuel, ta defendendo ele só por que gasta muito na sua pocilga, é?
   - Mas é claro que não, uai. - Retrucou Manuel. - Só acho que com aquele tamanhão todo, ele não ia afrouxá prum fantasminha atoa.           
   - Quero ver se ele é macho mesmo quando você cobrar essa conta anotada nesse cardeninho que tu tem aí debaixo do balcão. - Duvidou o outro. - E sabe quando ele vai pagar? No dia de São Nunca, de tardezinha.
   - Óiaqui, ocês num   brincuma  coisa   dessa não, viu? - Gaguejou Manuel ficando com a pulga atrás da orelha, preocupado. - Hoje mesmo vou falá com ele da pendenga e ocês vão ficá tudim de beiço caído.
   - É isso aí, Zé Manuel! - Bradou Tião entrando de surpresa. - O cabra aqui não fica devendo ninguém não. Põe a conta no balcão que nós vamos acertar isso é agora.
   - Vai pagar tudo?
   - Tudinho. Centavo por centavo, merreca por merreca! - Disse o cabra tirando um maço de notas novinhas do bolso e colocando sobre a tábua do balcão, sob os olhos esbugalhados de todos. - E ocês, se preocupem não. Depois da correria de ontem, têm toda razão de ficarem bravo comigo. Mas vou mostrar procês que eu num sou um cabra ruim não, hoje a bebida é por minha conta, viu Zé Manuel?
   - Ocê é mesmo um cabra  porreta por dimais,  hein  sô? - Elogiou Manuel passando a mão no dinheiro e guardando sob a toalha de pano ensebado, estendida do lado de dentro do balcão. O sorriso em seu rosto era tão largo que só não mordeu as pontas das orelhas por que lhe faltavam quase todos os dentes. Pobre coitado, tinha toda razão do mundo para ficar tão feliz daquele jeito, afinal, nunca em sua vida tinha posto a mão numa bufunfa como aquela de uma só vez.
   Tião podia até não ser tão valente como cantava, mas demonstrou ser um cabra honesto. Certamente, se Remundão tivesse ali, ia dizer: - S’impolga não, homem, uma dinheirama assim, deixa qualquer um com a pulga detrás da orelha.
   Sorte ou azar, Remundão ainda não tinha dado o ar de sua visita para tomar a cachacinha de todo o dia e quando ficasse sabendo de tudo, o assunto já seria outro.
   Enquanto Remundão não chegava, Tião se fazia de bom amigo e convidava a todos para uma rodada por conta. Manuel até quis fazer uma gracinha, mas o rapagão da cidade grande foi logo enfatizando:
   - Não, não e não. Hoje é por minha conta. Afinal, dinheiro aqui não é problema, ou é?
   - De jeito maneira, sô! - Bradou Manuel fazendo festa, enquanto passava a mão numa garrafa e se apressava em encher os copos vazios.
   Tião tomou de uma talagada só.
   - Êita cachacinha danada de boa! - Disse estalando a língua e todos concordaram.
   - Por falar em coisa boa, ouvi um zum-zum-zum por aí, que tem muito diamante por essas bandas... é verdade? - Sondou “boca-de-fogo” como quem não quer nada.
   - Hei Tião, num vem com essa lenga-lenga não, porque ninguém aqui esqueceu do que ocê fez ontem não, viu?
   - É isso mesm! E tu me deve uan butina nova.
   - Butina? Eu? - Perguntou “boca-de-fogo” franzindo a testa.
   - Niqui eu curri pro causa daquea brincadeira de mal gosto, eu perdi minhas butina.
   - Se preocupa não, meu amigo. Pode passar na mercearia do seu Antonio e comprar outra que eu pago.
   - É bão mesm.
   - Mas me diga uma coisa, a história dos diamantes... é verdade?
   - Diamante?! - Surpreenderam todos.
   - Diamante, ouro, sei lá.
   - Ô xente, já vai prá mais de tempo que num se acha nem uma pedrica de nada, sô.
   - Nadica, nadica? - Insistiu “boca-de-fogo”.
   - Nadica, nadica.
   Na mesma hora, um jipe, ou o que restava dele parou diante da porta do boteco, desviando a atenção de todos. Ágil como um gato, o motorista saltou da boleia abanando a poeira das roupas, como se fizesse alguma diferença.
   - Óia a marvada chegano!! - Gritou o chofer retirando um tonel plástico da rabeira do jipe e levando bar adentro. Assim que recebeu a paga da cachaça, o entregador cheirou as notas novinhas que Manuel lhe deu e disse:
   - Êpa, o trem aqui ta miorano mesm, hein sô?
   - Hei, Tião, talvez o Zé da cachaça saiba onde tem diamante! - Brincou um cabra caçoando do pobre coitado.
   - Diamante?! O único diamante cotoveno é a branquinha que escorre do  meu  alambique  todo  dia,  uai. - Respondeu o entregador abanando o maço de notas que acabara de receber do Manuel.
   - Ô xente, e tu num conhece nem um garimpeiro abastado por essas banda não, homem de Deus?
   - Conhecê, conhece ansim... maisomeno.
   - Hei Tião, ocê num tá pensando em gatunhá o coitado não, né? - Perguntou Manuel preocupado.
   - Quê que é isso Manuel? Sou um cabra prá lá de honesto, homem. Tu tá me estranhando?
   - Não, mas é que...
   - Assim tu me ofende. Acabei de pagá a conta no seu boteco, sô. - Disse “boca-de-fogo” chateado.
   - Se ôces tão quereno tanto assim uns diamante, por que num vão inté o cruzêduisidó? Dizem que lá tem um montão tafuiado nas grota - Sugeriu o entregador de cachaça subindo no jipe e esperando a ajuda dos amigos.
   - Bora gente! Poss ficá  de   prosa   cocês   agora  não.  - Gritou ele.
   A turma saiu do boteco e bastou uma empurradinha para o motor daquela gerigonça funcionar deixando uma nuvem de fumaça preta com cheiro de óleo queimado que se espalhou por toda a praça. No início, as pessoas por onde o jipe passava tinham medo daquela coisa explodir, mas com o tempo foram se acostumando e hoje ninguém mais se assusta com a chegada do Zé da cachaça.
   Assim que o projeto de carro desapareceu na poeira, todos voltaram para o bar do Manuel e a prosa continuou.
   - Que diacho de Cruzeiro é esse  que  o   cabra   falou? - Perguntou Tião curioso.
   Remundão entrou na pocilga de repente, abanando a fumaça deixada pelo jipe, que ainda impregnava o ar, quase o sufocando.
   - Diacho de fedentina danada, sô. Parece que esse trem saiu dos inferno.  - Reclamou ele puxando uma cadeira e se acomodando entre os outros. - Ô Manuel, s’impolga não, homem! Me traz logo a branquinha que o moço deixou aí, pra eu experimentar.
   - É mio o sinhô escutá o que o cabra do Tião tá querendo assuntá premero. Assim, o sinhô já toma logo duas talagada de uma vez só.
   - Tô mesmo! O que é que tem demais eu querer saber do tal cruzeiro e esse tal de Isidoro num sei de quê? - Rebateu “boca-de-fogo” sem entender porque tanto mistério.
   - Rapá, se eu fosse ocê isquecia logo dessa prosa toda e dexava esse trem pra lá. - Aconselhou Zezito caçando jeito de enfiar logo uma cachaça goela abaixo.
   - Calma lá, gente. Só fiquei curioso com esse negócio de cruzeiro do Isidoro. - Justificou Tião sentindo-se acuado pelos olhares dos amigos. - Ocês num tão achando que eu, “boca-de-fogo”, amigo d’ocês, tô querendo roubar os diamantes do tal Isidoro?
   Coitado do “boca-de-fogo”! Nem de longe podia imaginar o mato-sem-cachorro que estava prestes a se meter. Atiçava onça com vara curta e os cabra sabiam que aquilo ainda ia dar muito pano pra manga. Era só dizer que o candeeiro do Isidoro era uma lenda viva, contada ao longo dos tempos pelos moradores de Curralin, que o coitado não ia se conter em mostrar sua macheza e dizer que tudo não passava de uma história besta para assustar criancinhas. Mas, besteira ou não, há quem diga ter conhecido muito cabra metido a valente que não quis acreditar e saiu em busca dos diamantes do Isidoro e nunca mais foi visto por aquelas bandas. E, conhecendo Tião como todos conheciam, certamente seria mais um a querer desafiar os mistérios do escravo Isidoro.
   Mas, pensando bem, até que não seria má ideia. Ele merecia uma boa lição capaz de fazer com que baixasse o facho e acabar logo com o lero-lero de cabra-macho que num tem medo de nada nessa vida e que faz e acontece e num sei mais o quê. Já que o infeliz tava doidinho pra saber sobre o escravo Isidoro, ele que se danasse mais tarde.
    Depois de darem uma boa risada da preocupação do “boca-de-fogo”, Manuel falou:
   - Se preocupa não, Tião. O escravo Isidoro já tá mortinho, mortinho.
   - Mas, então...
   - Deixa que eu conto. - Tomou à frente o Remundão, virando de uma só vez goela adentro, a cachaça que ainda tinha no copo. Ajeitou-se na cadeira, aprumou o corpo e raspou a garganta como se fosse fazer um verdadeiro discurso. Com gestos meticulosamente estudados, ia começar quando alguém disse:
   - Hei Remundão, vai perder tempo enfiando mais coisa na cachola desse daí, homem?
   - S’impolga não, é só pra mostrar pro Tião que num tem nada pra ele fuçar no cruzeiro do Isidoro, entendeu? - Justificou Remundão se voltando pro Tião que quase não se continha de curiosidade. - Havia por aqui um senhorio muito malvado, coisa ruim mesmo, dono dessas terra todinha...
   - Tudinho?
   - Tudinho, tudinho. Até onde a vista podia alcançar. O infeliz era tão ruim que num se aperreava com nada nessa vida não. O cabra vacilou, ele descia o “sarrafo” no lombo do coitado até ficar em carne viva. E Isidoro era um escravo porreta de macho. Num tinha medo da brabeza do homem não. O povo conta que o cabra era tão abusado, que mesmo debaixo do nariz dos “Jagunço” conseguiu ajuntar pra mais de quilo, os diamante que tirava da terra.
   - E como ele fazia isso? - Quis saber Tião “boca-de-fogo”, sem esconder a curiosidade.
   - O danado ia escondendo cada pedrinha nas feridas que tinha nos pés e ninguém se apercebia. Quando escurecia, ele saía de banda sem ninguém vê e enfiava tudo numa grota que tem lá no alto da serra. Os diamantes rolavam pela grota e caíam direitinho na banda de baixo, num buraco que tem incrustado na serra, que só ele conhecia.
   - Esse cabra era porreta mesmo, hein sô? - Disse Manuel impressionado com o feito do escravo.
   - Mas, se tem tanto diamante assim como diz, porque ninguém foi até lá pegar? - Questionou “boca-de-fogo” pedindo mais uma cachaça. Aquela história começava a mexer com suas ideias e só mesmo outra branquinha para tirar a sequidão que dava na garganta.
   - S’impolga não, homem de Deus. Ele ainda toma conta do que é dele.
   - Se ele tá mortinho, mortinho, como é que pode tomar conta?
   - É o fantasma dele, seu desmiolado.
   - Dizem que quando o senhorio descobriu os caprichos de Isidoro, mandou açoitar o infeliz para que ele contasse onde estavam os diamantes. Mas Isidoro era cabra duro e nada disse. Levou tanta chibatada que ficou em carne viva. Depois amarraram o infeliz numa cruz e plantaram no lugar mais alto da serra até ele morrer, para que todo mundo visse o que acontecia com escravo que roubava o senhorio. Coincidência ou não, o escravo Isidoro foi crucificado exatamente onde havia escondido as pedras e o sangue que escorria de seu corpo descia pela grota, se misturando aos diamantes.
   - “Créindeuspadi”!! - Disse Zezito fazendo repetidas vezes o que parecia ser o sinal da cruz, enquanto enchia novamente o copo de cachaça e virava goela abaixo de uma só vez.
   - Mas... e os diamantes?! - Insistiu Tião impaciente.
   - Êta cabra mais apoquentado das ideia esse tal Tião, hein sô? Ocê num ouviu o homi dizer que os diamante ficou lá intuiado no buraco da serra? - Cortou Manuel aperriado com tanta perguntação.
   - S’impolga não, Manuel. O Tião só tá curioso.
   - É isso mesmo. Se todo mundo sabe onde é que fica essa diamantada toda, porque ninguém foi lá buscar, hein?
   - Mas é um estrupiço mesmo esse “boca-de-fogo”!
   - Calma, rapaz. - Pediu Remundão. – O  caso   é   que... - Antes de continuar, tirou um cigarro de palha já enrolado do bolso e levou aos lábios com uma paciência capaz de matar qualquer infeliz de ansiedade. Depois de acender a piteira, soltou uma baforada supimpa e prosseguiu. - Depois que o escravo morreu na cruz, ninguém dessas banda teve coragem de subir a serra sozinho.
   - E por quê num vão de turma?
   - Dêxa o Remundão falá, homi de Deus!
   - Dizem que antes de Isidoro dar o último suspiro, ele gritou pra quem quisesse ouvir que só encontrariam os diamantes com a luz da lua, mas ele tomaria conta do seu tesouro e quem se atrevesse a tentar roubá-lo iria ter o sangue bebido pelos demônios das trevas, até a última gota.
   - E ôces acreditam nisso?!
   - S’impolga não, Tião. Se olhar bem no pé do cruzeiro por volta da meia-noite, ocê vai ver uma luzinha bem fraquinha acesa.
   - E que diacho de luzinha fraquinha é essa no pé da cruz? - Perguntou “boca-de-fogo” com ar descrente. 
   - Mas tu é burro mesmo, hein Tião? Cumé qui ocê vai vê o danado  do   assombração   se   tiver   tudo   escuro? - Explicou Manuel na sua inocência.
   - Ocês são um bando de frouxo mesmo héin? Isso não passa dessas estórias sem pé nem cabeça que os véio conta pra assustar as criancinha. - Disse “boca-de-fogo” tomando mais uma cachaça e comendo um pedaço torresmo lambuzado na farinha.
   - Verdade ou não, já conheci muito caboclo macho que botava banca pra cima de todo mundo dizendo que faz e acontece, mas na hora mesmo de encarar o preto Isidoro, hiiiich coitado, queimou no trecho. - Falou Remundão   entortando   o   queixo   com   desdém. - Outros, até subiram a serra, mas também sumiram no serrado e nunca  mais  se  teve  notícias  dos cabra. - Completou dando de ombros.
   - E por que ninguém vai lá de dia? - Questionou Tião “boca-de-fogo”
   - Eta homi  difícil,  sô.  - Interferiu  Manuel   novamente. - É porque de dia é... por que mesmo ninguém vai lá de dia?!?
   - S’impolga não, Manuel. É melhor deixar pra lá, o Tião deve ter razão. Afinal, é só mesmo uma história discabida que o povo conta num é mesmo? Se tem ou não um tesouro lá em cima, acho que nunca vamos ficar sabendo.
   - Isso é que não, Remundão. - Disse o Zezito tomando parte na conversa. - E a luz acesa de noite?
   - O candeeiro. É isso que me deixa apoquentado das ideia... - Ponderou Remundão coçando o queixo pensativo. Ele era astuto como uma raposa e procurou “encenar” com convicção sua dúvida, pois tinha certeza que o Tião não se contentaria em simplesmente esquecer o assunto, principalmente, porque o candeeiro podia ser visto de qualquer parte de Curralin. Na primeira brecha que tivesse, ia arrumar uma desculpa esfarrapada e tirar isso a limpo. Remundão era um cabra pra lá de esperto. Cutucou a casa de marimbondos até os bichos fervilhar só pra ver até onde ia a macheza do caboclo.
   - Sabe que inté eu fico matutano aqui comigo, cumé que alguém que já tá mortinho, mortinho como o escravo Isidoro, pode acendê aquele lampião véio toda noite? - Confessou Manuel acabrunhado. 
   - S’impolga não, Manuel. Tem coisa que o melhor mesmo é a gente ficar quietinho no canto, em vez de ficar caçando chifre em cabeça de cavalo. Com esse negócio de espírito, o bom mesmo é a gente nem brincar. Isso é coisa séria por demais. - Aconselhou Remundão pegando um pedaço de torresmo e metendo na boca.
   - Ah, isso é que não! - Interveio Tião dando um tapa tão forte na mesa, que fez  garrafa  e  copos  dançarem. - Concordo não. Se tem mesmo essa tal luzinha acesa naqueles cafundó de serra, é porque alguém vai lá e acende só pra ficar botando medo n’ocêis aqui. Fantasma nenhum ia ficar perambulando por aí não. Morreu, morreu, tá mortinho e ponto final.
   - Num se aveche não, omi de Deus! - Censurou Zezito quase em súplica. - Todo mundo sabe que não é ninguém que nem que nós assim, de carne viva que acende o candieiro da cruz. Ele já tá todin inferrujado e mais seco que o chapadão. Cumé que alguém ia conseguir atiá fogo sem azeite, rapá? Cê ta é variano das ideia, sô.
   - O Zé tem razão. Aquilo ali tá sequinho, sequinho que só vendo. - Concordou o outro. - Eu mesmo já fui lá pra oiá, me passou um arrepio danado pela espinha, que desembestei serra abaixo, sem coragem nem de oiá pra trás.
   - Sei não, viu.  Ainda acho que ocêis tão  é  querendo ver  se  eu  fico com  medo,  mas   comigo   não,   violão. - Disse Tião desconfiado. Mesmo ele já tendo visto a luz no alto da serra, não acreditava na história de espírito tomar conta de tesouro. Morto ou não, ainda não tinha aparecido cabra capaz de botar medo nele não. 
   - Num  se  apoquente  das  ideia  não,  homi  de   Deus. - Disse Manuel servindo mais uma rodada da branquinha que havia acabado de chegar. - Como disse o Remundão, o mió mesmo é deixar os mortos quieto no seu canto e tocar nossa vida pra cá, bebendo nossa cachacinha assussegado.

                                                                                  
                                                         Continua na próxima semana!
                       








sexta-feira, 22 de junho de 2018

Aparições e mineirices do Isidoro

Aparições e mineirices do Isidoro é uma obra de ficção baseada em relatos e causos contados por antigos moradores da histórica cidade de Diamantina, onde a cultura e os costumes dos negros africanos escravizados na era da coroa portuguesa ganharam força, permanecendo vivos na memória, através das gerações. Reza a lenda que, Isidoro, um conhecido escravo que trabalhava numa mina de diamantes da região, fora acusado de roubo. Açoitado e crucificado no alto da serra a mando do seu senhorio, morreu sobre o suposto local em que escondera seu tesouro. Desde então, conta-se que seu espírito vela pelo tesouro , assombrando qualquer um que tenta violar o local em busca dos diamantes. Um grupo de amigos resolve tirar à prova e acabam provocando uma grande confusão no lugarejo, mal sabendo eles que por trás de tudo aquilo existe um mistério ainda maior que uma simples brincadeira. É uma leitura divertida e bem humorada. que traz todo o trejeito do povo mineiro e um linguajar único, quase que um outro idioma, o mineirês, onde a maioria das frases são simplificadas, como "oncotô" (onde é que eu estou) e tantas outras, envolvendo ficção e personagens reais da região em forma de homenagem do autor.

domingo, 17 de junho de 2018

Aparições e Mineirices do Isidoro

Capítulo - 01
Quem conta um conto...

Não há neste mundão de meu Deus, alguém que
não tenha ouvido falar de alguma estória maluca e até
mesmo assombrosa, dessas capaz de “botá” medo no
cabra mais valente que anda sobre essas terras. E olha
que tem muito cabra macho por aí, que aceita qualquer
desafio pra mostrar sua coragem, mas na hora
mesmo de agarrar o garrote pelo chifre, o pobre coitado
se desculpa daqui, se desculpa dali, treme na
base e logo põe a perna no mundo d’uma carreira só,
pra nunca mais voltar.
E é assim que a estória vai tomando rumo. Um
conta daqui, outro aumenta acolá, o que não entendeu direito pra não fazer feio floreia um muncadinho
daqui e dali, e assim o medo vai se espalhando como fogo no vento, intimidando até o cabra mais valente
que, pra não desmerecer a fama, se enrosca numa desculpa esfarrapada e queima no serrado. Foi justamente
assim que aconteceu com Tião “boca-de-fogo”. Rapagão forte e culto que acabara de apear da jardineira
no pequeno distrito de Curralin, vindo da cidade grande para passar uns tempos na casa de uns parentes,
que tinha acabado de descobrir que existiam. Parrudo e metido a sabe-tudo, foi logo botando banca 
pra cima do povo humilde do lugarejo, dizendo que era filho do Coronel das tal “força armada”, sobrinho
do Capitão não sei das quantas, faixa preta de “jujits”, com sotaque acaipirado e um monte de lero-lero
mais.
Tão logo apareceu por aquelas bandas, foi logo dar o ar de sua graça no bar do Manuel, pra mostrar porque
tinha o apelido de “boca-de-fogo”. Não teve bebida que o fizesse de rogado e nem cabra que o
acompanhasse numa sentada. Melhor pro Manuel que se empolgava todo quando via o Tião adentrar sua
pocilga. Corria todo abobalhado para atrás do balcão e tiçava logo o torresmo na panela, preparando o tira gosto.
- S’impolga não, Manuel. - Dizia Remundão, velho porreta de vivência. Matuto esperto que nem uma
raposa, capaz de reconhecer um fala mansa só pelo jeito de pisar. - Esse ainda vai dar muito nó no vento.
- Ô Remundão, cabra macho que nem que esse tá pra nascer... - Defendia o dono da pocilga com orgulho.
- Inda de quê, o que ele bebe numa sentada é mais do que vendo numa semana intirinha, homi.
- Oxalá, se ganha pelo que vende quem sou eu para não querer vê-lo rico.
- É isso mesm. Ta tudinho anotado na minha cardeneta. - Rebateu Manuel sacolejando um pequeno
bloco de anotações, enquanto abria um largo sorriso
de poucos dentes.
- S’impolga não, homem, ou vai acabar com uma baita dor de cabeça pela ressaca do que esse cabra
bebe! - Insistiu Remundão em vão. Nada que dissesse ia fazer com que Manuel mudasse de ideia, pois estava
por demais satisfeito com o novo cliente. Mesmo assim, não custava tentar. Coitado. Não imaginava a surpresa
que o aguardava mais dia, menos dia. Quando menos esperasse, ia dar com os burro n’água. Mas,
quem afinal, não vivia de surpresas, não é? A vida era imprevisível. Quanto mais se faz planos, menos se
chega aonde quer e assim, vai-se vivendo neste mundão de meu Deus.
Até mesmo a chegada de Tião “boca-de-fogo” em Curralin era cercada de mistérios. Em busca de parentes
que nem ele mesmo conhecia, surpreendeu a todos no local. Ninguém do lugarejo havia acreditado
muito naquele negócio de árvore genealógica que o Tião rabiscava num papel, tentando provar que ele era
parente de alguém dali, só por que respondia pelo mesmo sobrenome do Zé da Pitanga, grande fazendeiro
daquelas bandas. Porém, que mal poderia fazer sua acolhida ali por alguns dias como parente de verdade?
Parente ou não, o rapaz até que tinha seu lado bom. Em poucas horas já era o cabra mais conhecido
da redondeza e não havia quem não debandasse pro mesmo lado da rua em que ele estava só pra cumprimentá-
lo. Entrava aqui, saía ali, comprava fiado em tudo quanto era canto e até se tornou alvo dos olhares
mais afoitos de uma ou outra cabrita fogosa, que com ele cruzava pelos becos de pedras.
Não pensem que com isso ele se desmanchava em galanteios. O “boca-de-fogo” era esperto por demais
e pisava leve por onde passava. Tratava logo de virar o rosto como se não percebesse as tentações do perturbador
e logo arranjava alguém do outro lado da ruela para cumprimentar. Sabia lá Deus, as verdadeiras
intenções que o acompanhavam.
Certa vez, o viram saindo da casa de Dona Ambrosina, depois que a cidade entrou na penumbra da
noite. Diziam as más-línguas, que a distinta senhora, de meia idade, bonitona, viúva enxuta, atraía os viajantes
e outros que por ali se aventuravam, preparando-lhes uma verdadeira noite caliente, de puro
prazer, e o cabra tinha que ser muito macho para dar conta de todas as suas pervertidas maluquices, sem
correr porta afora no meio da noite, de calça arriada. Se resistisse aos caprichos da megera, era-lhe oferecida
a virgindade da filha, menina moça, cabritinha nova que jamais soubera distinguir a vida além da
adolescência, já que morrera há mais de vinte anos. Só não souberam dizer, se quando saiu da casa da distinta
viúva, Tião “boca-de-fogo” trazia as calças na mão ou se estava dentro delas, mas o certo é que devia
ser apenas mais uma estória que ninguém sabe quem contou primeiro e como era de se esperar, o
coitado negou tudo e até jurou de pé-junto. Mas, quem somos nós para duvidar das palavras de um cabra
tão macho que nem ele, não é mesmo? O melhor era deixar o dito pelo não dito e tocar a boiada em
frente.
Assim era Curralin... Um lugarejo incrustado na serra do Espinhaço, que guardava com seu povo, toda a
sorte de histórias deixadas pelos garimpeiros e escravos que viveram por aquelas bandas, em tempos já
quase esquecidos, pelos que ainda insistiam em revirar a terra em busca de diamantes. Era uma infinidade
de causos descabidos que essa gente contava que numa só noitada de prosa, conseguiam desenterrar
metade dos defuntos e fazer com que tudo o que era assombração e coisa ruim deixassem suas sepulturas,
se é que tinham, devido ao estado de abandono do cemitério, para vir apoquentar a vida dos cabras de
ideia fraca.
Sina ou falta do que fazer bastava uma lua mais abastada aparecer no alto para que os cabra começasse
com suas histórias medonhas. E olha que tinha caboclo que jurava de pé-junto que era tudinho verdade,
sem tirar nem pôr. Mas Tião “boca-de-fogo” não era homem de se intimidar com essas coisas de fantasma,
assombração e sei lá mais o quê. Era cabra-macho e cabra que é macho de verdade não tem medo
de nada.
- Ocês é um bandifrôxo, isso é o que eu sei. - Zombou ele peitudo e até desafiou os “coisa ruim” que
apareciam no cemitério nas noites de lua cheia. Remundão que ouvia tudo calado no seu canto meteu
o cigarrinho de palha na boca e se aproximou da roda de amigos assentados na porta do boteco do
Manuel, soltando logo uma baforada fedorenta antes de se sentar sobre os calcanhares e chamar a atenção
do rapaz.
- S’impolga muito não viu, meu rapaz? É melhor tu tomar cuidado, pois quem mexe com essas “coisa”
acaba castigado, dando com os burro n’água..
- Quero ver a brabeza desse estrupício é na frente do esprito de dona Zefinha. - Desafiou alguém.
- Rapá, mas o cabra aqui num disse que é arretado de macheza, sô? Intão, vamo vê ele disafiá os esprito
do cemitério, uai. - Falou Zezito, desafiando ainda mais a coragem de “boca-de-fogo”.
- É isso mesmo, Tião, tu num é cabra-macho sem base?
- E num vô? E pra provar que não tenho medo de nadinha disso aí que ocês tão falando, vou sozinho
no cemitério à meia noite e quero ver se esse tal espírito de dona Zefinha tem coragem de aparecer pra
mim. - Gabou Tião batendo com a mão no peito, desafiador.
- S’impolga não, que isso é coisa séria, meu rapaz. - Insistiu Remundão.

                                                       ... Continua na próxima semana!

sexta-feira, 15 de junho de 2018



Pesquisas buscam definir estilo e parentescos culturais da escritora Carolina Maria de Jesus

segunda-feira, 11 de junho de 2018

Sinopse

Sinopse

Aparições e mineirices do Isidoro é uma obra de ficção baseada em relatos e causos contados por antigos moradores da histórica cidade de Diamantina, onde a cultura e os costumes dos negros africanos escravizados na era da coroa portuguesa ganharam força, permanecendo vivos na memória, através das gerações. Reza a lenda que, Isidoro, um conhecido escravo que trabalhava numa mina de diamantes da região, fora acusado de roubo. Açoitado e crucificado no alto da serra a mando do seu senhorio, morreu sobre o suposto local em que escondera seu tesouro. Desde então, conta-se que seu espírito vela pelo tesouro , assombrando qualquer um que tenta violar o local em busca dos diamantes. Um grupo de amigos resolve tirar à prova e acabam provocando uma grande confusão no lugarejo, mal sabendo eles que por trás de tudo aquilo existe um mistério ainda maior que uma simples brincadeira. É uma leitura divertida e bem humorada. que traz todo o trejeito do povo mineiro e um linguajar único, quase que um outro idioma, o mineirês, onde a maioria das frases são simplificadas, como "oncotô" (onde é que eu estou) e tantas outras, envolvendo ficção e personagens reais da região em forma de homenagem do autor.

domingo, 10 de junho de 2018

Aparições e Mineirices do Isidoro

Olá pessoal, gostaria de falar um pouco sobre este livro, "Aparições e mineirices do Isidoro". Trata-se de um romance fictício que tem como pano de fundo uma lenda mineira sobre o escravo Isidoro, que viveu no século XVIII na região do então Arraial do Tejuco, hoje Diamantina, como um dos melhores garimpeiros da época. Conta-se, porém, que  Isidoro escondeu um grande tesouro em ouro e diamantes que nunca foi encontrado.
"Aparições e mineirices do Isidoro" aborda o tema de uma forma bem divertida, onde os personagens, viventes da década de 80, resolvem desafiar o fantasma de Isidoro sem imaginar que o resultado da brincadeira poderia não ser tão divertido.

"Aparições e mineirices do Isidoro" terá seu conteúdo publicado neste Blogger como um todo.
A cada semana, você vai conferir duas páginas do livro em sequencia até o final.
Espero que você goste e comente.

Prefácio
Apoiando-se em critérios lingüísticos e literários,
Oscar Vieira da Silva e Valéria Seabra de Miranda
fizeram um trabalho filológico de colação textual
no romance histórico e indianista denominado
Acayaca, autoria do jurisconsulto Joaquim Felício dos
Santos, publicado inicialmente em forma de folhetim,
nos anos de 1862 e 1863. O trabalho filológico, publicado
em 2004, traz uma atualização de texto e de notas,
como também estudos crítico e biobibliográfico
do referido romance, que retrata uma Diamantina envolta
em lendas, mistérios e mitos, desde os seus primeiros
tempos, quando ainda se chamava Arraial do
Tijuco.
No romance, a árvore Acayaca era o símbolo
espiritual dos índios Puris, seu talismã protetor, a
força de sua existência. Os portugueses que ocuparam
o Tijuco não conseguiam tomar posse da região,
frente à resistência imbatível da nação Puri, tribo nativa.
Para conseguir seu intento, os invasores ceifaram
Acayaca e atearam fogo na árvore, fato que levou
os Puris a se matarem numa carnificina descomunal.
Então, o espírito do pajé Pyrakassu, indignado com o
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extermínio da raça Puri pela ação maligna dos portugueses,
que violaram suas ibycoaras, jazigos sagrados
dos caciques e pajés, invocou anhangá, o gênio
da floresta protetor da flora e da fauna, e lançou a
maldição sobre os invasores e toda a sua descendência:
“[...] Profanastes nossas ibycoaras, onde repousavam
as cinzas dos bravos, e vossos corpos jazerão insepultos
sobre a terra para serem pasto dos corvos, ou serão
lançados no Jequitinhonha e arrojados ao mar; vossos ossos
branquearão os rochedos, e ninguém se animará a
buscá-los para o jazigo sagrado. Maldição sobre vós e vossos
filhos! A vingança de anhangá será terrível!...”
Depois veio a chuva, que levou as cinzas da
Acayaca. Na medida em que suas cinzas rolavam
morro abaixo, eram transformadas em diamantes,
que foram espalhados por todo o Arraial do Tijuco.
Porém, cumprindo a maldição de Pyrakassu, embora
a região habitada pelos Puris tenha-se convertido na
terra mais rica do mundo, seus habitantes nunca mais
encontraram a paz. Tanto é verdade isso, que Caetano
Veloso afirmou que a força dos diamantes ergueu,
mas, principalmente, destruiu muitas coisas belas
em Diamantina.
Se lá pelos idos de 1729, essa histórica maluca
aconteceu, ela está se repetindo, tim tim por tim tim,
agora em 2015, narrada por Marconi Santos. No centro
de toda a trama estão os diamantes, exatamente
conforme praguejou o pajé Pirakassu.

A narrativa que Marconi Santos nos faz está
revestida de todos esses ingredientes fantasmagóricos,
tão próprios da tradição diamantinense e do cotidiano
de sua gente. As histórias sobre tesouros em
Diamantina existem em profusão, várias delas de notório
conhecimento, outras tantas, envoltas no mais
absoluto sigilo.
A escolha do escravo Isidoro para a figura central
do fantasma que aterroriza a população de “Curralin”
foi, a nosso ver, mais do que acertada. Isidoro
representa o símbolo maior da resistência dos negros,
dos escravos, do povo garimpeiro faiscador, dos
pequenos e dos humildes massacrados em Diamantina
pelo poderio de uma nobreza espoliadora, no seio
da qual se cristalizaram os diamantários e os grandes
mineradores, promotores vorazes do contrabando
das pedras raras. Igualmente acertada, a nosso ver,
a escolha da localidade onde se passou o episódio:
as peripécias de Tião “boca-de-fogo”para retirar o tesouro
meticulosamente escondido por Isidoro. O atual
distrito de Extração, até então chamado Curralinho,
nome de um dos córregos que o banhava, foi uma das
áreas mais ricas em diamantes na região. Em 1771,
ao final do período dos contratadores no Arraial do Tijuco,
a Coroa portuguesa adotou um regime denominado
Real Extração, que impediu a exploração de novas
lavras por longo tempo. Após a independência do
país em 1822, o novo regime foi perdendo força paulatinamente.
A partir de 1841, os garimpeiros invadiram as lavras virgens do Curralinho, onde os diamantes
brotaram com abundância. Houve uma corrida expressiva
de mineiros para aquele distrito, que se tornou
tão próspero, a ponto de seu comércio rivalizar
com as grandes casas comerciais estabelecidas na
sede em Diamantina.
Personagem principal da narrativa, Sebastião
Gomes de Souza, vulgo Tião “Boca-de-Fogo”. Homenagem
justíssima de Marconi Santos a um negro diamantinense
de coração maravilhoso, prestativo, de
fino trato, companheiro. Forte, esguio, beiço largo,
gago, andar balanceado por causa dos calos que possuía
nos pés, “boca-de-fogo” foi um músico ritmista
brilhante, tocador de surdo treme-terra nas melhores
Escolas de Sambas que se formaram em Diamantina,
mas, elegantemente, tocador de maracas, afuche e
ganzá, tanto nas rodas de samba, como também em
grandes bailes, ao lado do trompetista Antônio Rodrigues
Filho, cognominado Tunicão. Tião “Boca-de-
Fogo”, nosso amigo querido e inesquecível, de saudosa
memória.
Ao longo da narrativa, Marconi Santos vai introduzindo
outros tantos personagens, reverenciando
pessoas amigas que lhe são muito caras, com quem
conviveu e vivenciou o tempo saudoso de sua juventude
em Diamantina. Destaca, de forma especial e carinhosamente,
os seus irmãos Paulo Henrique Ferreira,
exímio músico, violonista virtuoso, que sem favor
algum está entre os maiores expoentes da arte
musical diamantinense, e Reginaldo Ferreira dos

Santos, também excelente músico, que nos deixou
tão prematuramente.
Valendo-se de uma sutileza esperta, Marconi
também se faz crítico, pois alfineta dois pontos cruciais
no processo de desenvolvimento de Diamantina.
Primeiramente, realçou o perfil bisonho do político
brasileiro que, no Arraial do Tijuco, especificamente,
implantou um regime feudal, cujos ecos adentraram
as paredes do século XXI. Por fim, tocou de leve no
problema complexo de se buscarem novas alternativas
para a sustentação da economia diamantinense
nos tempos atuais, em que o garimpo já não possui o
esplendor de outras eras. Diamantina se propôs a se
firmar como cidade prestadora de serviços, dentre os
quais, a utilização do seu potencial turístico. Não obstante
tenha avançado bastante nesse quesito, ainda
não conseguiu trabalhar de forma correta, com planejamento,
profissionalismo, sensibilidade e responsabilidade
social.
Tentamos deixar aqui uma síntese para apresentar
a narrativa que Marconi Santos nos oferece, de
forma hilariante e leve, na qual fica evidente o seu
amor por Diamantina e a saudade eterna que sente
de sua cidade natal. Convidamos o leitor a degustar
essa história, com direito a boas gargalhadas.
Wander Conceição ( Historiador - escritor - músico )