domingo, 10 de junho de 2018

Aparições e Mineirices do Isidoro

Olá pessoal, gostaria de falar um pouco sobre este livro, "Aparições e mineirices do Isidoro". Trata-se de um romance fictício que tem como pano de fundo uma lenda mineira sobre o escravo Isidoro, que viveu no século XVIII na região do então Arraial do Tejuco, hoje Diamantina, como um dos melhores garimpeiros da época. Conta-se, porém, que  Isidoro escondeu um grande tesouro em ouro e diamantes que nunca foi encontrado.
"Aparições e mineirices do Isidoro" aborda o tema de uma forma bem divertida, onde os personagens, viventes da década de 80, resolvem desafiar o fantasma de Isidoro sem imaginar que o resultado da brincadeira poderia não ser tão divertido.

"Aparições e mineirices do Isidoro" terá seu conteúdo publicado neste Blogger como um todo.
A cada semana, você vai conferir duas páginas do livro em sequencia até o final.
Espero que você goste e comente.

Prefácio
Apoiando-se em critérios lingüísticos e literários,
Oscar Vieira da Silva e Valéria Seabra de Miranda
fizeram um trabalho filológico de colação textual
no romance histórico e indianista denominado
Acayaca, autoria do jurisconsulto Joaquim Felício dos
Santos, publicado inicialmente em forma de folhetim,
nos anos de 1862 e 1863. O trabalho filológico, publicado
em 2004, traz uma atualização de texto e de notas,
como também estudos crítico e biobibliográfico
do referido romance, que retrata uma Diamantina envolta
em lendas, mistérios e mitos, desde os seus primeiros
tempos, quando ainda se chamava Arraial do
Tijuco.
No romance, a árvore Acayaca era o símbolo
espiritual dos índios Puris, seu talismã protetor, a
força de sua existência. Os portugueses que ocuparam
o Tijuco não conseguiam tomar posse da região,
frente à resistência imbatível da nação Puri, tribo nativa.
Para conseguir seu intento, os invasores ceifaram
Acayaca e atearam fogo na árvore, fato que levou
os Puris a se matarem numa carnificina descomunal.
Então, o espírito do pajé Pyrakassu, indignado com o
8
extermínio da raça Puri pela ação maligna dos portugueses,
que violaram suas ibycoaras, jazigos sagrados
dos caciques e pajés, invocou anhangá, o gênio
da floresta protetor da flora e da fauna, e lançou a
maldição sobre os invasores e toda a sua descendência:
“[...] Profanastes nossas ibycoaras, onde repousavam
as cinzas dos bravos, e vossos corpos jazerão insepultos
sobre a terra para serem pasto dos corvos, ou serão
lançados no Jequitinhonha e arrojados ao mar; vossos ossos
branquearão os rochedos, e ninguém se animará a
buscá-los para o jazigo sagrado. Maldição sobre vós e vossos
filhos! A vingança de anhangá será terrível!...”
Depois veio a chuva, que levou as cinzas da
Acayaca. Na medida em que suas cinzas rolavam
morro abaixo, eram transformadas em diamantes,
que foram espalhados por todo o Arraial do Tijuco.
Porém, cumprindo a maldição de Pyrakassu, embora
a região habitada pelos Puris tenha-se convertido na
terra mais rica do mundo, seus habitantes nunca mais
encontraram a paz. Tanto é verdade isso, que Caetano
Veloso afirmou que a força dos diamantes ergueu,
mas, principalmente, destruiu muitas coisas belas
em Diamantina.
Se lá pelos idos de 1729, essa histórica maluca
aconteceu, ela está se repetindo, tim tim por tim tim,
agora em 2015, narrada por Marconi Santos. No centro
de toda a trama estão os diamantes, exatamente
conforme praguejou o pajé Pirakassu.

A narrativa que Marconi Santos nos faz está
revestida de todos esses ingredientes fantasmagóricos,
tão próprios da tradição diamantinense e do cotidiano
de sua gente. As histórias sobre tesouros em
Diamantina existem em profusão, várias delas de notório
conhecimento, outras tantas, envoltas no mais
absoluto sigilo.
A escolha do escravo Isidoro para a figura central
do fantasma que aterroriza a população de “Curralin”
foi, a nosso ver, mais do que acertada. Isidoro
representa o símbolo maior da resistência dos negros,
dos escravos, do povo garimpeiro faiscador, dos
pequenos e dos humildes massacrados em Diamantina
pelo poderio de uma nobreza espoliadora, no seio
da qual se cristalizaram os diamantários e os grandes
mineradores, promotores vorazes do contrabando
das pedras raras. Igualmente acertada, a nosso ver,
a escolha da localidade onde se passou o episódio:
as peripécias de Tião “boca-de-fogo”para retirar o tesouro
meticulosamente escondido por Isidoro. O atual
distrito de Extração, até então chamado Curralinho,
nome de um dos córregos que o banhava, foi uma das
áreas mais ricas em diamantes na região. Em 1771,
ao final do período dos contratadores no Arraial do Tijuco,
a Coroa portuguesa adotou um regime denominado
Real Extração, que impediu a exploração de novas
lavras por longo tempo. Após a independência do
país em 1822, o novo regime foi perdendo força paulatinamente.
A partir de 1841, os garimpeiros invadiram as lavras virgens do Curralinho, onde os diamantes
brotaram com abundância. Houve uma corrida expressiva
de mineiros para aquele distrito, que se tornou
tão próspero, a ponto de seu comércio rivalizar
com as grandes casas comerciais estabelecidas na
sede em Diamantina.
Personagem principal da narrativa, Sebastião
Gomes de Souza, vulgo Tião “Boca-de-Fogo”. Homenagem
justíssima de Marconi Santos a um negro diamantinense
de coração maravilhoso, prestativo, de
fino trato, companheiro. Forte, esguio, beiço largo,
gago, andar balanceado por causa dos calos que possuía
nos pés, “boca-de-fogo” foi um músico ritmista
brilhante, tocador de surdo treme-terra nas melhores
Escolas de Sambas que se formaram em Diamantina,
mas, elegantemente, tocador de maracas, afuche e
ganzá, tanto nas rodas de samba, como também em
grandes bailes, ao lado do trompetista Antônio Rodrigues
Filho, cognominado Tunicão. Tião “Boca-de-
Fogo”, nosso amigo querido e inesquecível, de saudosa
memória.
Ao longo da narrativa, Marconi Santos vai introduzindo
outros tantos personagens, reverenciando
pessoas amigas que lhe são muito caras, com quem
conviveu e vivenciou o tempo saudoso de sua juventude
em Diamantina. Destaca, de forma especial e carinhosamente,
os seus irmãos Paulo Henrique Ferreira,
exímio músico, violonista virtuoso, que sem favor
algum está entre os maiores expoentes da arte
musical diamantinense, e Reginaldo Ferreira dos

Santos, também excelente músico, que nos deixou
tão prematuramente.
Valendo-se de uma sutileza esperta, Marconi
também se faz crítico, pois alfineta dois pontos cruciais
no processo de desenvolvimento de Diamantina.
Primeiramente, realçou o perfil bisonho do político
brasileiro que, no Arraial do Tijuco, especificamente,
implantou um regime feudal, cujos ecos adentraram
as paredes do século XXI. Por fim, tocou de leve no
problema complexo de se buscarem novas alternativas
para a sustentação da economia diamantinense
nos tempos atuais, em que o garimpo já não possui o
esplendor de outras eras. Diamantina se propôs a se
firmar como cidade prestadora de serviços, dentre os
quais, a utilização do seu potencial turístico. Não obstante
tenha avançado bastante nesse quesito, ainda
não conseguiu trabalhar de forma correta, com planejamento,
profissionalismo, sensibilidade e responsabilidade
social.
Tentamos deixar aqui uma síntese para apresentar
a narrativa que Marconi Santos nos oferece, de
forma hilariante e leve, na qual fica evidente o seu
amor por Diamantina e a saudade eterna que sente
de sua cidade natal. Convidamos o leitor a degustar
essa história, com direito a boas gargalhadas.
Wander Conceição ( Historiador - escritor - músico )

Nenhum comentário:

Postar um comentário